No verão escaldante, quando o calor aperta, os corpos se dilatam e pedem arrefecimento aquático, era quando o Manel da Piedade atravessava Espanha, e se vinha banhar de tronco ao léu, na construção das paredes daquela que seria a VIVENDA PIEDADE, prova do seu sucesso. Havia de a pintar de amarelo torrado, berrante, descaracterizado, a ver-se ao longe, mas invisível aos olhos municipais. Para esses, e para o país em geral, só via a cor dos francos, produto de uma verdadeira indústria exportativa, que ajudaria a sustentar a guerra: mão-de-obra boa e barata.
Nos primeiros anos veio de comboio. Depois, à medida que os tostões íam crescendo no banco, o Manel também se aburguesou. Também comprou um carro. Um Renault 5. Durante o mês de “vacances”, nem um quilómetro fazia. Um quilómetro é uma maneira de dizer, “um” sempre fazia, ía à vila tratar da licença para construir a casa, aproveitando o dia de feira, espreitando os jogadores de vermelhinha, ía pedir mais cimento ou areão, quando aquele se acabava, enfim, aproveitava a rapidez da máquina. Ao quinto ano de “vacances”, e já a “maison” estava concluída, então aí, aventurou-se até Bragança.
Fê-la com dois andares. No rés-de-chão, deixou-a preparada para abrir um café, que sería a sua reforma. Já tinha pensado no nome, inclusivamente. Havia de mandar fazer um letreiro brilhante, que acenderia com o pôr do sol, a dizer: CAFÉ EMIGRANTE. Não! L`ETOILE. Gostava mais daquela sonoridade, encontrava ali um toque de mistério e grandeza que lhe agradava. Inconscientemente, digo eu, havia uma certa repulsa pela língua, e, consequentemente pela terra mãe, que considerava madrasta.
Fê-la por etapas. Ganhava durante um ano, e aplicava-o durante o estio, em cimento, tijolos e azulejos.
Quem passava olhava apalermado:
- Para que é que ele quer uma casa tão grande? Isto parece um palácio.
E o Manel, ufano por dentro, disfarçava com uma certa humildade, que lhe ficava bem:
- Oh, nom -a escapar-se-lhe a língua para os galicismos - c`est normal, aah!
A mulher fazia a “ménage” na casa dos seus patrões. O leitor não pense que ao empregar estrangeirismos, pretendo ridicularizar o personagem, não!, nada disso, era assim mesmo que o Manel dizia. Não sei muito bem aquilo que ele pretendia demonstrar, provavelmente, sería um pouco de sobranceria, quereria simplesmente demonstrar o domínio da língua, ou sería mesmo a habituação anual à língua de Vitor Hugo. A mim, não se me vai da malha, era granito róseo, escodado à força. Seja como fôr, dizia eu que a mulher fazia limpeza em casa dos patrões. Contava-se em surdina, que quando o Manel a apresentou aos patrões, este, a cumprimentou com três beijos, e ela que se sentiu ultrajada, espetou-lhe dois tabefes bem assentes:
- Ah, seu desavergonhado... Disse sentindo-se desrespeitada com aquele cumprimento.
- Oh, mulher tu não vês que aqui é assim... tu que foste fazer?
O senhor Dupont ria-se. O Manel, atrapalhado, à procura das palavras, lá pediu desculpa.
Aparecia vestida com uns vestidos talhados de godés, acintados e rodados, muito ramalhudos e a bater nos jarretes. Largou o lenço, pôs meias de vidro. Cabelos enriçados, espaventosos, a fazer volume, com grandes poupas. Era um “escândalo”, toda a gente comentava:
- Que tecido é esse, do teu vestido, Clorinda? Perguntava a Maria do Abel, com um ar de malícia.
- Eu sei lá, parece-me que é cambraia, mas nunca se sabe, lá... há outras coisas que aqui não há.
- É bem bonito, sim senhor! Concluía com ironia.
- Foi bem caro, comprei-o num grande “marché”. Dizia enquanto agarrava com a mão direita uma das pregas, como que a provar a qualidade do tecido.
- Um quê?...
Nos primeiros anos veio de comboio. Depois, à medida que os tostões íam crescendo no banco, o Manel também se aburguesou. Também comprou um carro. Um Renault 5. Durante o mês de “vacances”, nem um quilómetro fazia. Um quilómetro é uma maneira de dizer, “um” sempre fazia, ía à vila tratar da licença para construir a casa, aproveitando o dia de feira, espreitando os jogadores de vermelhinha, ía pedir mais cimento ou areão, quando aquele se acabava, enfim, aproveitava a rapidez da máquina. Ao quinto ano de “vacances”, e já a “maison” estava concluída, então aí, aventurou-se até Bragança.
Fê-la com dois andares. No rés-de-chão, deixou-a preparada para abrir um café, que sería a sua reforma. Já tinha pensado no nome, inclusivamente. Havia de mandar fazer um letreiro brilhante, que acenderia com o pôr do sol, a dizer: CAFÉ EMIGRANTE. Não! L`ETOILE. Gostava mais daquela sonoridade, encontrava ali um toque de mistério e grandeza que lhe agradava. Inconscientemente, digo eu, havia uma certa repulsa pela língua, e, consequentemente pela terra mãe, que considerava madrasta.
Fê-la por etapas. Ganhava durante um ano, e aplicava-o durante o estio, em cimento, tijolos e azulejos.
Quem passava olhava apalermado:
- Para que é que ele quer uma casa tão grande? Isto parece um palácio.
E o Manel, ufano por dentro, disfarçava com uma certa humildade, que lhe ficava bem:
- Oh, nom -a escapar-se-lhe a língua para os galicismos - c`est normal, aah!
A mulher fazia a “ménage” na casa dos seus patrões. O leitor não pense que ao empregar estrangeirismos, pretendo ridicularizar o personagem, não!, nada disso, era assim mesmo que o Manel dizia. Não sei muito bem aquilo que ele pretendia demonstrar, provavelmente, sería um pouco de sobranceria, quereria simplesmente demonstrar o domínio da língua, ou sería mesmo a habituação anual à língua de Vitor Hugo. A mim, não se me vai da malha, era granito róseo, escodado à força. Seja como fôr, dizia eu que a mulher fazia limpeza em casa dos patrões. Contava-se em surdina, que quando o Manel a apresentou aos patrões, este, a cumprimentou com três beijos, e ela que se sentiu ultrajada, espetou-lhe dois tabefes bem assentes:
- Ah, seu desavergonhado... Disse sentindo-se desrespeitada com aquele cumprimento.
- Oh, mulher tu não vês que aqui é assim... tu que foste fazer?
O senhor Dupont ria-se. O Manel, atrapalhado, à procura das palavras, lá pediu desculpa.
Aparecia vestida com uns vestidos talhados de godés, acintados e rodados, muito ramalhudos e a bater nos jarretes. Largou o lenço, pôs meias de vidro. Cabelos enriçados, espaventosos, a fazer volume, com grandes poupas. Era um “escândalo”, toda a gente comentava:
- Que tecido é esse, do teu vestido, Clorinda? Perguntava a Maria do Abel, com um ar de malícia.
- Eu sei lá, parece-me que é cambraia, mas nunca se sabe, lá... há outras coisas que aqui não há.
- É bem bonito, sim senhor! Concluía com ironia.
- Foi bem caro, comprei-o num grande “marché”. Dizia enquanto agarrava com a mão direita uma das pregas, como que a provar a qualidade do tecido.
- Um quê?...
"..."
In: As duas faces da moeda
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