terça-feira, 27 de outubro de 2009

Entre o preto e o branco

O comboio estava apinhado, os dois homens falavam da atualidade. O mais velho, na casa dos sessenta, barbudo, olhar arguto, dizia:
– À medida que avanço na vida cada vez mais me convenço que nada no Homem é absoluto. Entre o preto e branco, que apenas afirma ver, há sempre muitos cinzas de permeio. Ele encerra muitas verdades.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Na Intuição do Tempo

Será possível fazer a síntese de um determinado tempo e percepcionar o futuro? Que movimentos, que ideias nos influenciaram e nos fizeram seguir em determinada direcção? Este é o propósito deste livro, que procura condensar alguns dos movimentos sociais do século XX, materializados em personagens que interagem entre elas dentro do comboio do tempo, um tubo de ensaio onde as personagens ora exteriorizam os seus pensamentos, ora os verbalizam, ora comentam a paisagem que vai surgindo através da vidraça do imperecível comboio, permanentemente fustigado pela força das intempéries da tecnologia e que o engenheiro Norberto acredita dominar.
Nada acontece por acaso.
Que influência teve nas gerações seguintes a revolução geracional dos anos 60, representada pelo Horácio, um estudante influenciado pelo movimento hippie? Que peso teve a queda do muro de Berlim e a Guerra Fria que o mundo viveu, e que morreu com o Gonzaga, um comunista idealista que ainda acredita na luta do proletariado? Aonde nos conduz o homo pouco sapiens que, embalado pelo chouto do comboio da globalização e do consumismo desenfreado, ainda acredita ser o maquinista e dominar a máquina, travar e acelerar sempre que o desejar, mas, em boa verdade, já não tem os freios para poder orientar essa possante besta que a todos arrasta?

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sábado, 17 de outubro de 2009

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

A televisão mostra os cardenhos, os ratos, a insalubridade. Uns vultos humanos saídos das sombras de um outro mundo, que infelizmente todos nós conhecemos, apressam-se a abrir a porta, a mostrar a indignidade em que vivem. Provavelmente amanhã, ou depois, surgirá a notícia de uma alma muito caridosa que ao arrepiar-se com a dureza dessas imagens lhes ofereceu uma casa condigna. Dois dias depois surgirão as mesmas figuras a agradecer a filantropia, a grandeza humana do rosto tal.
E aquele caso aquele que ninguém conhece, que nem quer aparecer na televisão porque se sente culpada dessa indignidade e sente vergonha de ir buscar a sopa que a Câmara, em tempo de eleições, distribui. Sim! Refiro-me àquele caso em que o pai perdeu o emprego e a mãe se esfalfa a limpar escadas dos prédios, mas a magreza do salário não estica até ao fim do mês. Aquele caso, mesmo ao seu lado, a quem o estado não reconhece o direito de lhe atribuir um subsídio para os livros da filha, e cuja mãe agradece muito que na escola lhe dêem de comer sem pagar.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

sábado, 10 de outubro de 2009

Monólitos

Chovia. Alheio a tudo, à chuva e ao sol, ao ruído e ao silêncio, ali se manteve, impávido e sereno, sem alma. A água escorria-lhe pelo cabelo empastado, penetrava-lhe no pescoço descarnado, e ele, apático, continuava de olhar sem ver, indiferente. Aquele seu olhar, distante, continha muito mais que a indiferença do mundo, hoje, o aguilhão era outro, brotava-lhe mais fundo, nascia-lhe no lastro do seu ser, transformava-o. Incomodava-o a indiferença – ou medo, matutava – que o mundo nutria pela diferença e a divergência. Incomodavam-no os monólitos padronizados e vicejantes, incomodavam-no as pedras erguidas em pedestal sem saber por quem nem de que forma.

domingo, 4 de outubro de 2009

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O caminho da escola

O caminho que deves apanhar é aquele que segue pelo centro – e apontava com a mão direita –, não o do facilitismo, o outro, aquele que ladeia aquelas árvores de folha caduca, não sei o nome, e que, lá mais à frente, sobe, sobe muito – …mas está cheio de espinhos e é pedregoso, questionava o filho –, eu sei, responde o pai, mas é nesse que deves seguir. Depois passa junto àquele precipício onde as encostas ora são áridas, ora vistosas, é ambíguo, eu sei, mas é esse o coração da vida. Lá à frente é estreito, parece muito estreito, trepida como uma corda bamba, eu sei, mas é esse o caminho da escola, parece apertado no início mas é amplo no fim.