sábado, 29 de maio de 2010

O ar que se respira

Simula-se sapiência, conhecimento e autoridade. O mercantilismo dos tempos obriga a que as leis do mercado e da aparente ascensão social se sobreponham a todas as outras. Tudo se faz para não manchar o impoluto papel que se prefere sempre branco, sem riscos, sem correcções, a manifestar certezas absolutas. Tudo se faz para revelar manchas da pouca constância. Suspenda-se tudo. Aguente-se tudo até passarem as eleições, aguentem-no até ao fim do ano, aguentem até eu sair daqui, não façam nada, esperem que o tempo resolva…

domingo, 16 de maio de 2010

Novo dicionário

A “esperteza” teve, noutros tempos, o significado de sagacidade, perspicácia, até mesmo astúcia. Hoje, o conceito está completamente ultrapassado. Hoje, ser esperto é ser bem-falante e jogar facilmente com as palavras: falar muito mas nada dizer. Ser esperto é afirmar hoje certezas que no próximo mês se negam categoricamente. Ser esperto é ter sido apanhado com a “boca no trombone”, andar nas bocas do mundo e não corar de vergonha. Hoje, ser esperto é gabar-se de ser capaz de viver sem trabalhar. Ser esperto é vestir bem, dizer as maiores aleivosias, e rir delas, despudoradamente, como se tivesse feito uma piada de grande inteligência.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

sábado, 8 de maio de 2010

O embrulho

A cena merece ser contada, tem todos os ingredientes destes tempos pós-modernos que todos vivemos. O seu embrulho era impecável: era alto, desempenado, gravata de seda, camisa branca debaixo de um casaco impecavelmente limpo. O homem vendia livros, o que acabava por rematar todo aquele ar sapiente que Deus lhe deu, digo, o Dinheiro lhe deu. Os clientes, um pouco receosos, aproximavam-se dele de livros numa mão e cartão de crédito noutra, e ele, de telemóvel em punho, sem se dignar olhar para eles, sem mostrar a mínima delicadeza para quem lhe punha o dinheiro na mão, continuava a delinear, de viva voz, o encontro com a amante em Paris.
De certeza que avaliava livros pela capa.

sábado, 1 de maio de 2010

Não apaguem a memória



Não apaguem a memória, apaguem antes os fantasmas que possam existir dentro de cada um de nós, esses sim não devem existir. Apagar a memória colectiva é como tirar a argamassa que une as pedras de uma parede. Mais tarde ou mais cedo desmoronar-se-á.