sábado, 26 de fevereiro de 2011

Inimigos

O Daniel, deitado no sofá, de olhos fechados ia desfiando palavras, sem nexo, sem lhe achar qualquer valor terapêutico. Não entendia o significado de tão incómoda terapia. O psicanalista permanecia imóvel no seu velho cadeirão, mal se dava pela sua presença.
- Tem inimigos? – instou o médico, de repente, sem que nada o fizesse esperar.
- Não! - respondeu o Daniel um pouco abismado pela pergunta descabida.
- Abra os olhos – ordenou o médico.
Ele obedeceu. Pode dizer-se que se assustou, talvez um susto de incredulidade, mas era um susto. Abanou a cabeça e fechou e abriu os olhos novamente para ter a certeza que não estava a sonhar. Nunca esperaria ver a sua própria imagem reflectida no espelho que o médico agora segurava.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Calcinatio

Tinha medo de saltar a fogueira. Aquelas labaredas a desafiar a lei da gravidade, a erguerem-se para os céus, aterrorizavam-no e toldavam-lhe a razão. Aquela miríade de lumaréus a subirem misteriosamente fascinavam-no, surgiam-lhe como sendo almas a libertarem-se desta dimensão terrena. Naqueles momentos de arroubo, um qualquer ente libertava-se do seu ser, provavelmente celta, e ele ficava, longamente, a fitar a fogueira que continuava a engrossar a todos os minutos que passavam.
De repente enchia-se de coragem e desatava a correr. A respiração acelerava, as labaredas aproximavam-se, o fumo do futuro era cada vez mais denso, mas, corajosamente saltava, nada o podia fazer parar. Quando aterrava do outro lado todos os medos tinham sido mortos, aquela chama de raiva que minutos antes o consumia, deu lugar à luz da chama sulfurosa e regeneradora. As fúrias evaporaram-se, os desejos foram renovados, as frustrações desapareceram.
No rescaldo interior acabou por se encontrar.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sabedoria

- Convençam-me! Mostrem-me a caverna da sua sabedoria – ordenou.
E esperava o ministro que lhe mostrassem o esplendor do nada, que lhe descrevessem as paisagens do seu ser, os seu tédios, as suas crenças. Esperava que lhe contassem a harmonia dos seus silêncios, os seus sonhos, todas as suas venturas e desventuras. Esperava ouvir um poema, um estado de alma, uma confissão por absurda que fosse. Esperava, no fundo, que lhe apresentassem razões de uma certa humanidade tão necessária ao cargo.
E o seu assessor, nomeado propositadamente para avaliar os candidatos, e sem perceber, lia a lista infindável dos cursos frequentados, os valores conseguidos, os graus obtidos… Salomão, ao seu lado, não passava de monte áspero e inculto.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Qual força?

“Qual força?”, questionava-se ele. “Que significado devo assumir como correcto?”. “Que força devo usar?”.
Era nestas abstracções que o João matutava. Tinham-no aconselhado a usar a “força” ao longo do caminho. E ele caminhava cabisbaixo, pensativo, abstraído, como se nada o circundasse, como se apenas o seu “mundo interior” valesse a pena viver. Na busca da sua razão não tinha formulado hipóteses, nem deduzido previsões lógicas. Não seguia nenhum método científico, com experiências a justificar os resultados, já tinha desistido, seguia o seu instinto. Parecia-lhe, apenas, impossível tropeçar nessa resposta através da dimensão corporal, parecia-lhe, simplesmente, que a resposta teria que a encontrar não na dimensão linear do corpo, mas no volume do seu “Eu” e, silenciosamente, concluía: não é com a força física que se sobe mais um degrau no conhecimento. Não é com a força militar que se caminha em direcção à harmonia.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Guerra do Ultramar


Para que nada se repita, e porque é preciso preservar e divulgar a memória de um tempo recente.
Participe!