sábado, 31 de março de 2012

Osmose

Hoje, sinto tudo como se a vida fosse um grande dever. O dever de atingir a perfeição, quando sei que não existe, o dever para com a humanidade, o dever para comigo, o dever de existir. Tudo carrego, pesa-me esta moralidade profundamente enraízada.
Esta osmose apenas de um sentido, esta incapacidade de me libertar deste peso, cria em mim uma angústia que me torna sombrio. Estar neste estado, que apelido de granítico, é como estar em calausura permante, é como se fosse escravo de uma identidade ilusória que me leva para um estado de confusão anímica, um estado irritativo interior que vagueia entre a vigília e o sono.
Cansa-me! Anseio por sol, por espaços largos, anseio pelos sussuros das fontes... quero repousar deste abismo de mim.

Massive Attack

sexta-feira, 30 de março de 2012

Esperar pela vida...

Esperar pela vida e vivê-la como ela se nos apresenta parece-me uma banalidade. Esperar pelo sol e vivê-lo de toalha estendida na praia, esperar pela chuva e aconchegar-se no lar... é crer na futililidade coerente da existência. Esperar que o tempo nos envelheça e não sentir o seu encharcamento é não crer na verdade temporal da existência.
Esperar pela vida é crer no destino.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Catarse

Não há sentimento de posse em mim. De nada necessito a não ser desta catarse de dizer, de repetir, incessantemente os sentimentos que a toda a hora me assaltam. Quando digo palavras agradáveis, e raramente o faço, fico com a ilusão que a vida é colorida, escondo os tédios de que sou feito.
Sem ser filósofo acredito que dizer, seja de forma minimalista ou negra, é sempre uma insatisfação do ser, ou, talvez, a alteridade do não-ser. Dizer é existir a partir de dentro, metamorfoseado, talvez, mas é sempre garatujar o meu outro “eu”, de certeza de forma incompleta, mas conscientemente quero dizer escrevendo. Dizer é esboçar apenas uma forma sonhada, é partir a carapaça do silêncio.
Dizer é como sair da baixeza do sentir.
Fica dito!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Noite

Gosto da noite! Não da noite das cidades, dos néons, dos locais apinhados de gente. Gosto de entrar pela noite dentro, sozinho, de me escutar nos pianos de mim, nos solos de guitarra violentamente eletrizante, mil vezes repetidos, e conseguir detetar a força das palavras apenas pela melodia. Encontro nesta trindade tricéfala ilusória, e eu incluído, uma carruagem de viagens viciante, um sistema integrado de coerência e analogias no qual me integro e desintegro com facilidade. Tudo se me unifica nesta minha ciência de sonhos abstrativa e volátil. Nela, nesta Unidade de sentimentos, por momentos compreendo-me, por instantes reconheço a minha inexistência e nela trato esta vesânia que me afeta e me molda disformemente.
É nesta fluidez rítmica que consigo pensar, é nesta ilusão, sempre fingida, das palavras que consigo dizer, é neste sangue espiritual que consigo existir e encontrar razão para a arte, sinónimo de sensibilidade humana.

terça-feira, 27 de março de 2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

Renuncio-me!

Quantas coisas as palavras nos sugerem? Quantos sentimentos nos confidenciam? Ah! se eu conseguisse captar todas essas essências em mim. Se conseguisse materializar tudo isso num só instante. Suplico um breve instante, basta-me um breve relâmpago, nada mais peço que um segundo de lucidez.
Ah!, que incapacidade nefasta que me agarra a esta corporalidade obscura que só me ofusca. Que coisa horrível e visceral é esta que me impede de ascender ao sublime, que me impede de ver beleza das rosas de não dos espinhos.
Que grosseria é esta que me impede de agarrar aquilo que perdi, aquilo que fui e deixei de ser.
Proclamo-me inepto, não me quero, renuncio-me!

domingo, 25 de março de 2012

Varro-me

Varro-me a mim próprio. Sentado sobre mim mesmo, varro-me em silêncio, mondo-me, arranco todo o musgo que, ao longo dos anos, me cobriu. São simples, muito simples, singelos líquens que que nascem e morrem ao sabor das estações anuais, mas terrivelmente complexos. Tudo devoram, nada os impede de serem eles, oprimem, criam raízes e depois ganham vida própria. Não passam de antropófagos da exteriorização de sentimentos.
Já desnudo, olho-me ao espelho. Fito-me, olho-me nos olhos e num esgar de repulsa, afasto-os. Afasto esta minha futilidade, que outros reconhecem, arranco este sentir implantado pelo ADN, odeio sem ódio tudo e todos, odeio-me por me ter construído assim. Não me viro as costas, mantenho-me firme e não afasto o olhar. Continuo a busca. Busco em detalhe, vou aos ínfimos pormenores de mim e procuro coerência na minha razão e nas emoções. Não encontro contradições, só a minha interioridade e exterioridade conflituam.
Alegro-me sem alegria.

sábado, 24 de março de 2012

Voltei!

Voltei ao remanso dos meus dias. Voltei a apascentar os meus pensamentos por mundos triplíces, voltei para enfrentar os medos do Manco, para aguardar a calma inquietente deste meu tempo que não é meu. Espero! Não sei até quando, mas espero como um pedinte, pela maciez dos dias solarengos, que raramente me visitam.
Conscientemente cônscio é este “eu” que espera, o outro, vai-se. Aquele que é um reflexo de mim, aquele que é uma imagem desbotada daquilo que não sou, marca indelével de forças intemporais que não domino, ferrete granítico incompreensível, terrívelmente incompreensível, em breve migrará sem destino, para além-dos-montes, irá para a terra do nada.
Não quero esmolas, lágrimas, nem compreensão, quero simplesmente ir. Deixem-me ir! Deixem-me ir para a terra do vento e da lua. Quero abracá-los, tocá-los, sentir a imponderabilidade enigmática da ausência.
Pagarei a Caronte. Juro que pagarei a Caronte, preparo já a moeda que colocarei sobre a língua.

quinta-feira, 22 de março de 2012

quarta-feira, 21 de março de 2012

Já nem alma possuo

Já nem alma possuo. Em mim existe apenas um vazio volátil, um abismo que me separa de um corpo que também não é meu. Sou dono apenas de sentimentos. Em mim existe apenas um éter cósmico que se evapora repentinamente, uma elipse de nada que me descaminha por memórias olfativas inexistentes, auroras momentâneas de uns sofrimentos ansiosos, sensações dispersas de um tempo que deseja existir. Em mim há apenas lucilações borbulhantes, ausências de eflúvios nectares, sabores de leves aromas, perfomados e borbulhantes, que sobem à tona do meu sentir para logo desaparecerem como bolhas de champanhe.
Nada possuo neste núcleo de mim que diariamente se adensa, nada existe neste cerne ilusório de chumbo, neste borralho que me aniquila em combustão lenta.
Sou apenas dono de uma força gravítica universal que se condensa em palavras inorgânicas, em sintagmas sintáticos desconexos mas que se me revelam filosoficamente lógicos, mais lógicos que as próprias deduções matemáticas.

Endorfinas

terça-feira, 20 de março de 2012

Embriagado de ilusões

Às vezes é-me tão difícil descrever o que sindo, a maranha da floresta tropical é de tal monta densa, que nem sei se tenho uma verdadeira identidade, uma individualidade própria. Fico com a perceção de que tudo aquilo que senti, ao longo de muito tempo, foi falso, fui uma adulterção de mim, esta é a minha verdade deste instante. Fico com a sensação de que as minhas emoções sempre foram comandadas, subordinadas a um mundo externo coerente que pensava existir. Os meus sentimentos sempre foram uma espécie de capacho, esteira de entrada de uma casa em derrocada, e que, sonolentamente, se deixaram embriagar pela solidez que desejava, pela segurança que verdadeiramente não existe e nunca senti. Hoje, e porque vi a verdade, vêm-me à memória a ubiquidade das palavras em parada e de gabinetes, para não lhe chamar outro nome, inflamadas por gestos e dragonas eloquentes. Hoje, em mim, há um prenúncio de morte e um desejo de vida. Hoje vi as verdadeiras aves do paraíso terráqueo, vi aves fascinadas de plumas deslumbrantes e eu sinto-me porco.
Vou tomar banho.

segunda-feira, 19 de março de 2012

A minha moura encantada

(...)
Creio que, pela primeira vez, descobri que nunca fui talhado para a realidade. Pela primeira vez na minha vida tive a noção que era no mundo dos sonhos que desejava viver. Queria misturar as coisas concretas e abstratas, queria misturar os sons e as cores, queria viver mais em mim do que fora de mim. Tive a perceção clara que preferiria viver essa duplicidade existencial, repleta de canais de irrigação que me mantêm vivo, que me fazem sentir, do que viver uma vida amorfa, falida, a pintar coloridamente o marasmo, a entardecer lentamente sem sonhar.
(...)

In: Quadros da Transmontaneidade

Apresentação: aqui.

Convite - Quadros da Transmontaneidade

domingo, 18 de março de 2012

Fugas

Esta descoberta de mim, este caminho marítimo em direcção ao oriente que venho cultivando neste blogue, e não só, está-me transformando. Quando iniciei estas sondagens, quando comecei a picar o caminho minado deste meu mundo interior, confessei para mim próprio que este processo terminaria quando estivesse em carne viva, e que, nesse futuro, este espaço terminaria com um livro, se possível.
Não me parece que já esteja nesta fase, penso que há muita escuridão para explorar, muitas contradições por esclarecer. Não creio, portanto, que esteja nessa fase, sinto que há ainda muitas revelações por fazer, muitos tédios para esclarecer mas as diferenças sentidas são cada vez mais acentuadas.
As emoções e os sentimentos são-me cada vez mais fortes e cada vez mais insuportáveis de viver. Já não sou o mesmo, a hipersensibilidade adquirida ao longo deste processo, torna-me interiormente mais rico mas exteriormente mais pobre. Os olhos rasam-se-me de água com memórias, arrepio-me com o meu imaginário, é-me cada vez mais difícil suportar conversas banais, venham elas de onde vierem. Telenovelas sejam elas televisivas ou profissionais incomodam-me. Cada vez mais admiro os ascetas. Estou a ficar insuportável para mim e para os outros.
Apetece-me sair definitivamente do mundo externo. Apetece-me cada vez mais ficar cego surdo e mudo e viver simplesmente a minha realidade.

Fermento de Liberdade na ALTM

sexta-feira, 16 de março de 2012

O desespero


Amo as grandes malencolias, as insensesulidades metafísicas da inexistência. Amo a dor do não-sentir o colapso e a redundância da minha inorganidade que não me canso de elevar. Amo as esquivanças da alma, as fugas deste vago e inútil sopro de vida que me corre nas veias. Amo sacralizar as catacumbas de castelos conquistados pelos cruzados perdidos e errantes, enterrar-me ao seu lado, esquecer-me de me mim, sepultar-me-me em lugares esquecidos pelas memórias e deixar-me infiltar pelo gélido frio do tempo geológico.
Se algum dia tiver que explicar este sentir ficarei calado, a actividade cerebral cessará, o coração colapsará. Não transmitirei uma ideia, parmanecerei mudo, tronar-me-ei insensível, ninguém descortinará uma leve expressão nem no olhar, nem nos músculos faciais. Nenhum bafo ofuscará um espelho que me coloquem à frente da boca. Cerrarei os olhos, adquirei uma cor amarelenta, não verterei uma lágrima, converter-me-ei espontaneamente num espectro de morte. Sei que assustarei todos, mesmo aqueles que algum vez me amaram, mas juro não que não proferirei uma palavra, nem um murmúrio.
Os sinos soarão trinados silênciosos que abenço-o, as ladadínhas serão insignificantes, os ribeiros calar-se-ão, os montes transformar--se-ão em planícies e a escuridão finalmente será luz.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Antemanhã

Escrevo de madrugada. A antemanhã já lá vem. Dos lados dos montes de Penafiel surge uma luz ténue, uma luz que me revela um novo dia. Esforço-me por me manter acordado, por continuar nesta alienação viciante de a querer sentir. Quero vê-la dourar os telhados, esverdear as copas da ávores, vê-la nascer em mim. Não quero esquecer os deveres que tenho amanhã mas, neste momento, prefiro saborear esta existênca torpe que me embota os sentidos mas que me sorri.
Não quero dormir.

terça-feira, 13 de março de 2012

Insanidade

Ser-se escravo de nós próprios é a mais vil das escravidões. Desdedenho de mim para quebrar as amarras que me prendem a esta incapacidade de estar, e não consigo.
Prometo! Jamais me escutarei, jamais acreditarei em mim, jamais tocarei neste sentir que ouso conhecer. Cerrarei fileiras aos sonhos, aos paradoxos e às duplas existências. Nunca mais ouvirei o trinar das madrugadas de mim mesmo.
Se sou um curioso de mim como ouso conhecer os outros. Como ouso entrar no Universo sem proteções, sem abrigos dos meteoritos para a minha inconsciência emocional?
O cansaço é aconchegante.
Fecho as janelas.

Quadros da Transmontaneidade

Este é um livro de sedimentos memoriais das gentes transmontanas. Não é nenhum levantamento etnológico, nem tão pouco um estudo antropológico do seu modus vivendi, como se possa pensar. É, antes de mais, um livro que fala da grandeza e da mesquinhez humana, de ressentimentos, de canseiras, dos tédios e das angústias que alimentam qualquer ser humano.
É um livro que fala de montes elevados por emoções e dos vales profundamente escavados por sentimentos.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Deus e Lúcifer

Há Deus e Lúcifer em mim. Carrego-os, aprendo a viver com eles. Neles me projeto, com eles encontro a estalagem transcendente para a minha existência. Também eu, todos os dias, subo ao cimo do monte e sou tentado com as cores deslumbrantes e voluptuosas do mundo externo. Com eles, todos os dias, me recolho e desço ao poço dos sonhos fúteis, mas que me devoram. Com eles, todos os dias, embarco na barca das alucinações pessoais que me desviam da razão.
Eles são o soalho quadriculado, preto e branco, que emerge em mim, a porta fechada e aberta, o martelo e o escopro com que me talho. Eles são a revelação metafísica de um mundo que me seduz e que todos os dias contemplo e questiono, a díade de uma consciência que me põe contacto com a minha verdade.
Não nego nenhum deles, aceito-os, aceito a minha imperfeição e tento compeendê-los. Negá-los, pura e simplesmente, é não me tentar entender, é negar-me e negar a existência humana. Negá-los é não suportar o peso da viagem que me oprime, é torná-la ainda mais vazia. Prefiro caminhar com eles na frescura das tardes sombrias, como esta que hoje vivo.

domingo, 11 de março de 2012

Apesar do dia

Apesar do dia lindo nenhuma dessa beleza se reflete em mim. De tudo o que está lá fora nada me interessa. Prefiro, de longe, continuar a tecer mortalhas negras de mim, prefiro continuar a envolver-me nas exéquias de um enterro há muito anunciado. Há neste lado negro de mim uma atração visceral pelo abismo, reconheço-a do ponto de vista antropológico, sei de onde vem, mas desconheço a minha.
Estou em queda livre e gosto de estar, há nela, nessa atração, uma linearidade tão bela, tão transparente, que não consigo esquivar-
-me. Sinto-a simples, sem avessos, sem faces nem perspectivas mas há algo externo que me impede de alcançar essa verdade que me é próxima e paradoxalmente distante. Que mistérios são estes que me limitam? Que sombras são estas que me possuem,que me levam à inação, que me mantêm abatido, sonolento, a fazer contas, a errar entre a vida e a morte?

Gregorians

sábado, 10 de março de 2012

A materialização da alma

Durante muito tempo estive desmaiado, ou até em coma. Foi como se não existisse, como se tivesse perdido a alma. No regresso, ao erguer-me, deparo-me prensado no absurdo de dois mundos. Ambos me surgem definidos com uma indefinição que procuro entrever e descobrir no torpor de mim. Estudo-os na espiritualidade humana, na simbologia das coisas, nas névoas de um devir, na mecânica abismal do universo, e não a encontro. Só a literalidade das palavras me entreabrem a fresta de um sentir que me preenche. Nelas, finalmente, parece que reencontro a alma que procuro. Às vezes, parece-me tudo tão imaterial e tão concreto que quase lhe sinto peso e a massa, quase me atrevo a localizá-la em mim.
Às vezes, e porque tudo me parece tão consistente, dou comigo em busca da fórmula física que materialize esta energia potencial que todos carregamos, que todos sentimos à flor da pele.

terça-feira, 6 de março de 2012

Dissolvo-me

Tudo me parece irreal. Se a realidade vem de mim, se sou eu que a construo, tudo não passa de mera ilusão, de mero sonho. E se assim concebo o mundo questiono-me: que diferença existe entre o mundo a que chamo real e o mundo dos sonhos? Não sei a resposta mas perturba-me tamanha dissolução. Perturbar-me não saber onde existo. Perturba-me não saber em que matriz acordo diariamente e em que matriz sonho. Que oscilar é este que todos os dias vivo, quando, verdadeiramente, não existem dois pratos nem nenhum eixo de apoio, que balancear é este quando tudo parece unificar-se em mim?
Estas considerações, evetualmente excêntricas, levam-me a pensar se realmente existo, se não passo de uma imagem, de substância estéril deste espaço temporal?

segunda-feira, 5 de março de 2012

Fósseis da memória

Confesso que me agrada caminhar em terrenos escorregadios, nessa poderosa arma do inconsciente, nesse processo eloquente de metamorfização das memórias. Confesso que admiro essa permanente monitorização das brumas labirínticas em que nos transformamos e acabam por nos definir. Admiro essa permanente reparação que nos liberta do peso do quotidiano, nos dá visões de fuga, e nos conduz para o mundo do preto e branco, o mundo dos sonhos e da ilusão.
Compreender tudo isto é ser capaz de encontrar a razão de mim, submergir nas causas daquilo que guardo e do que rejeito. Compreender isto é entrar num quadro de Dali e não encontrar estranheza nas formas bizarras que o compõem. É explicar o inexplicável, saber porque razão me surge mais esta palavra em vez de outra sinónima. Compreender isto é assistir em mim às marcas indeléveis dos fósseis vivos que carrego, escavar no tempo futuro, antecipar o devir e perceber o movimento perene das Coisas. Teorizar isto é trazer à luz, de forma incógnita, a consciência do sentir, a inquietude das friezas e a brandura das afeições.
De que forma emergem não é tarefa minha, a mim, basta-me saber que com sombras do passado consigo regressar à origem, com elas ressaco a existência, com elas sei que não há esquecimento.

Enya


(...)

Mirabile dictu. Mirabilia.
Mirabile visu. Mirabilia.
Et itur ad astra.
Et itur ad astra.
Sempervirent. Rosetum.

(...)

domingo, 4 de março de 2012

Chamam-me!

Chamam-me para um tempo que já não sei dizer se é longínquo se recente. Chamam-me para a minha adolescência que sinto perdida, um tempo de amor e desilusão constante.
Embarco.
A barca birreme há de levar-me às profundezas da alma, se é que a tenho, ao oceano dos tédios e dos cataclismos íntimos mas com expressão externa. Perante as angústias medonhas, as águas agitam-se e, em movimentos ambidextros, ora com inteligência, ora com sensibilidade, procuro o difícil equilíbrio que neste momento não tenho.
Há uma tristeza profunda, inanarrável, que vem de dentro. Vórtice claustrofóbico, lapso de tempo sem ser, reflexo repleto de incompreensões e vazios, de ausências incompreendidas mas que, estranhamente, me fizeram homem, complexo, difícil de entender, monstro incoerente que, desde sempre, reconheço como meu. Sinto-
-o como se fosse um avesso de mim. Entrevejo inspiração e desolação, atracção e rejeição, nascente e poente, vida e morte de um lastro que arrasto penosamente.
Sentado à lareira, que me faltou, amplio-lhe a face à procura da fealdade e descubro beleza. Amplio-lhe as mãos à procura de sangue e descubro cor. Apuro a sensibilidade à poucura de luz e descubro sombra. Acentuo o raciocínio à procura de razão e descubro ilusão.
Ah!, que ambiguidade incompreensível que não domino.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A leveza insustentável

Neste fim de tarde, de neurónios exaltados, subo o monte da minha existência. Carrego em mim o peso da metaformose, da transformação constante que sou. Hoje, corre em mim essa fé egípcia, esse belíssimo saber de que vimos à existência em processo de mutação constante. E, porque me conheço, porque sou espetador atento desta ficção de mim, inscrevo sobre o coração o capítulo 30 do Livro dos Mortos. Sinto que vim para empurrar constantemente este monte de esterco e não o disco solar, como o escaravelho, amuleto protetor dos mortos, que neste momento incorporo.
Nessa bola, já enorme, que me ofusca o horizonte e que, em cada volta que dá, em cada influxo de luz que me transforma, misturo os caprichos e o prestígio falso de atos a que assisto diariamente. Nela, nessa bola de esterco, agrego a pompa mundana de um tempo que não vivo. Nela, nessa bola de esterco, anexo as falsidades multicolores que me impedem de sentir. Nela, nessa bola de esterco, reúno todos aqueles que não sentem.
Sinto, logo existo.