sábado, 30 de junho de 2012

Depressão

O mundo exterior confrange-me, deprime-me, aumenta essa tendência doentia que há em mim. Confrange-me o tempo, o horror da vida, a incompetência de não saber captar os momentos, confrange-me a lógica, as razões que não entendo. Atormentam-me as interpretações dos sonhos sonhados e não sonhados, a descoberta que não vou além de uma rotunda, um círculo de sentimentos em perpétuo movimento, uma pedra de calçada recalcada, inexpressiva, cega, sem gracejos nem arremedos de dança.
Angustio-me com as cinzas da existência, com as luzes diretas que ofuscam e nada deixam ver, com a verdade simbólica das palavras.
Confrange-me a verdade dos poetas, verdadeiros manifestantes sem palavras de ordem, linhas retas que atravessam a luz e as trevas, a beleza e a loucura.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Não há esconderijos na memória

Missionário de mim, sentado na cadeira mastigo-me, mais uma vez, mas engulo em seco. Silencio-me: a profundidade aumenta. Subtraio-
-me: caminho nas sombras das ruas, protejo-me da Luz fria do dia, rastejo como animal amaldiçoado e não encontro saída. Divido-me: não sei quem sou. Desenterro-me vezes sem conta, trituro-me em pedaços de memória, culpo-me pelo que fiz, por aquilo que deixei de fazer e só me explico nas reticências do amanhã. Somo-me: entro na metafisica das coisas crente de que existirá uma saída mas não descortino porta alguma. Caminho no túnel por mim construído e do qual não consigo sair. Valem-me os “rastejantes do tapete” que habitam em mim.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Os rios também secam

Não te venhas sentar ao meu lado. Eu sou a múmia dos teus sonhos, o Cerberus deste poço de sonhos sem luz. Não te venhas sentar ao meu lado. Em mim tudo seca. Em mim não há rios nem fontes, apenas desertos e ribeiras de tristeza. Não te venhas sentar ao meu lado. Em mim não há ventos zefirinos, brisas suaves primaveris, em mim tudo é tumultuoso e ilusório. Não te venhas sentar ao meu lado. Em mim não há vida, apenas cansaço do tempo, do tic tac do relógio, da vingança da noite.
Não te venhas sentar ao meu lado...

Peter Gabriel


The wretched desert takes it's form,
The jackal proud and tight,
In search of you I feel my way,
Through slowest heaving night
Whatever fear invents,
I swear it make no sense
I reach out through the border fence
Come down, come talk to me

(...)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Mais um dia

Viver é simplesmente esperar.
Esperar que a onda passe
que morbidez das horas
se dissolvam
na chuva que não vem,
no calor da tarde
que tarda em despegar.
Viver é estar
na margem errada do rio
que corre sem lhe poder tocar.
Viver é crer
que a liberdade
existe
na outra margem do estar.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ontem


Ontem era outro. Ontem havia em mim substratos de futuro, raspas de crença, banalidades sonhadas. Outrora aconchegava-me em regularidades previsíveis, sonhos multicolores, inocências e ignorâncias felizes. O Sol erguia-se comigo, fazia o ciclo rectilineamente, a chuva não me trazia sons, o vento não me aportava memórias, e eu pensava em nada, sem medos repletos de ilusões. Outrora eu era uno e indivisível, átomo sem electrões, molécula temperamental sem culpas, reles substância real, estável e explicável.
Hoje sei que não sou nada disso, afinal não vou além de um abismo químico do pensamento. Hoje atacam-me exércitos fabulosos armados até aos dentes, infantes cobertos de lúcidas tatuagens, soturnos guerreiros fatais, enganosos pensamentos cheios de mistérios explicáveis.
Rendo-me!

domingo, 24 de junho de 2012

Nada


Velo a noite. Busco razões desta secura. Nenhuma emoção, nenhum sentimento atravessa a rua deserta. Do branco das paredes nada brota, as melodias são de outro espaço/tempo que não o de hoje, a luz do candeeiro não me aquece. Tudo me surge ermo e vácuo.
Sinto o cansaço físico aproximar-se, ardem-me os olhos, mas esta energia continua a sugar-me, a consumir-me, continua a apoderar-
-se-me das palavras, como por maldição. Esta força centrípeta continua a puxar-me para dentro e de mim nada nasce.
É o vazio, o nada, o absoluto nada.

Phil Collins



All of my life, I've been searching
For the words to say how I feel.
I'd spend my time thinking too much
And leave too little to say what I mean
I've tried to understand the best I can
All of my life.

All of my life, I've been saying sorry
For the things I know I should have done
All the things I could have said come back to me
Sometimes I wish that it had just begun
Seems I'm always that little too late
All of my life

(...)

sábado, 23 de junho de 2012

S. João


Escuto foguetes lá fora. Em mim explodem memórias de amanhã. Cultivo-as e alimento-me delas. Revisito-as neste licor que agora bebo e me aveluda o sonho de sentir.
Sinto a alegria de jardins embandeirados, de danças sensuais na televisão, e em mim nasce uma brisa de ar quente que me eleva como um balão de S. João.
Eleva-me neste erro descabido de querer captar tudo, de descrever o indescritível. Nessa insciência de mim percorro, como sempre e através deste método cientificamente meu, os meus corredores labirínticos, o alcatrão destas estradas vicinais que ainda me ligam ao mundo lá fora. Percorro-as sozinho, sei que ninguém me ensina a caminhar, sei que este caminho é solitário, docemente solitário.
Eleva-me na vã tentativa de ser dono deste percurso, senhor de mim mesmo, de encontrar a beleza na escuridão.
Eleva-me na esperança de que neste último trago se revelem sorrisos das idiossincrasias que me revestem.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Narro-me


Explode-me a cabeça.
Narro-me porque me dizem que para aprender basta ouvir-me com atenção. Porque os livros que leio me dizem que para conhecer basta ouvir a ausência de sons. Abstrair-me, evocar o infinito e caminhar, sem medos, no meio das neblinas até chegar ao osso.
Ausências de sons tenho que me bastem, pontos de interrogação não me faltam, “ses” que redemoinham são mais que muitos, por isso narro-me. Narro-me até ficar de mente vazia, até que as palavras se esgotem, até que nada faça sentido.
Narro-me mas não sou quem me descrevo, este não existe. Este não passa de um afluente do outro, mero riacho, sem foz nem margens, que engrossa nas horas de tédio.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O que eu mais queria


O que eu mais queria era que a inquietude da cadeira onde me sento desaparecesse, que deixasse de girar e eu, finalmente, pudesse rir de mim. Rir como um alcoólico, sem nexo, rir do absurdo, da insatisfação contida, do desconhecido. Queria entornar o copo de vinho e ser capaz de rir da minha realidade, da consciência dos outros, dos tropeções e do bom senso fingido. Ser capaz de gargalhar do pavor do outro, da falsa moralidade, das aparências disfarçadas, rir sem propósito dos remorsos adiantados de um futuro inexistente.
O que eu mais queria era não dizer nada. Contradizer-me em todas as horas, falsear-me a mim próprio e não sentir.
Queria simplesmente estar, mexer sem existir e esboçar sorrisos como a menina da tabacaria.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Pedra Papel Tesoura - Carrocel (Plano B)

Leituras

O Sol de fim de tarde entra na janela estreita que, ainda assim, possuo. Leio. Na magia das palavras abrem-se-me outros mundos. Pouco a pouco o tempo encerra-se sobre si mesmo, autofagia-se, parece deglutir a última vaga da ilusão da vida. Uma após outra, palavra após palavra, as curvas da estrada abrem-se, a paisagem alarga-se e toma contornos de irreais. As memórias diluem-se-me no sabor aveludado das horas bacantes e eu esqueço-me da minha existência.
As palavras são assim! Têm dentro delas a magia dos símbolos e levam-nos a viagens sem necessidade de portas de embarque. Embarco ao sabor do vento e o peso do abominável feixe de lenha que carrego para me aquecer nos tempos de invernia alivia-se no bulício e no sossego de viagens fingidamente reais.
Viro a página.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Terramoto


Estou sozinho em mim. Cientificamente falando, estou em volteios intersticiais cerebrais. Geologicamente falando, estou num terramoto com epicentro no pensamento. As ondas de choque curvam-se e vejo nascer em mim montes e vales, alegrias e tristezas, que se prolongam desde o passado até ao futuro.
Pobre conhecimento este que não consegue descrever arrepios e buscas interiores sem fazer uso das sinuosidades geológicas, sem recorrer à estafada metáfora da manta de retalhos que sou e me torna incompreensível. Pobre conhecimento este que não encontra palavras poéticas capazes de explicar estas fugas de mim, estas abstrações espontâneas que me alteram o humor, que me fazem entrar noite dentro sem sono e me conduzem a sonhos sem cor, a mundos sem rios nem mares.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Voltei?


Voltei porque a dor do nada continua, voltei porque não descortino auroras, nem arremedos de madrugadas. Os sentidos continuam mortiços e a alma continua a fermentar palavras que, por vezes, libertam. Hoje creio nisso, amanhã talvez já não seja essa a verdade, amanhã talvez seja completamente diferente. Talvez! Talvez porque eu sou a antítese daquilo que me rodeia. Em mim tudo é caótico, tudo se altera em fracções de ilusão. Em mim dou como certo apenas a ausência do incerto. Apenas vejo rotinas em meu redor, sempre a mesma hora de levantar, o mesmo carreiro de carros alinhados, todos em direção ao mesmo, as mesmas árvores, as mesmas curvas... Em mim impera a carpidação existencial, medonha e confusa.
Voltei, e porque não dizê-lo, porque quero continuar a prostituir a palavras que por aqui lavro, eventualmente a alimentar voyeurismos, voltei, desta pequena quarentena, porque neste momento acredito que este impulso vital me ajudará nesta vacuidade dinâmica interna, me apagará as grandes névoas, falsas, independentes de mim, que me vêem à memória.
Voltei? Não!, nunca se volta...

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Adiado sine die


Este blog fica adiado sine die.

Não tenho emenda!

Vivo numa cela de emoções com grades de razão. Não passo de um preso faminto de nada, sedento de coisa nenhuma. Sou um zé-
-ninguém que nem o Wilhelm Reich soube descrever. Sou antes o borra-botas que o Aquilino Ribeiro descrevia tão bem, aquele que vive embrenhado numa existência pequena porque as coisas grandes não as consegue compreender. Sou aquele que vive sonhos medíocres, o inocente que ainda acredita na felicidade, aquele que não sabe intuir o tempo, que vive no seu mundo e não acompanha as mudanças. Sou aquele que não se compreende a si próprio, ignorante, míope, aquele que não percebe que a vida nos dá coisas e nos retira outras.
Não tenho emenda. Embarco em navios e não sei que existem cais. Viajo em mim e creio que tudo é real, ainda não consegui entender a diferença entre estes dois mundos.
Não tenho emenda. Sei que a escrita não me trará o que procuro, no entanto, continuo a desnudar-me todos os dias.
Até quando?

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Inquietudes


Que quer de mim esta anima que me humedece e me torna frágil, estéril, incompreensível? Que inquietação é esta que me torna irrequieto, inconstante, me leva a erguer-me constantemente e a sentar-me de imediato na cadeira onde deixo as palavras fluírem aleatoriamente? Que vida é esta que me desilude, que me leva a fé, o sono, que me arranha e me conduz permanentemente a uma existência moribunda, inútil?
Que inquietude é esta que me afoga e me sufoca?
Que deusa pagã é esta que me retira o brilho dos olhos? Que Fauno é este que não me deixa colher flores nos bosques, me transporta sempre para florestas assombradas e me obriga a caminhar em contemplações estéreis? Que deus malévolo é este que me leva a alhear-me de tudo e me torna reles, bruto e insensível? Que primeva cadeia é esta que me ata e não me deixa contemplar as cores da vida que todos dizem existir?
Que besta é esta repleta de mosquedo que, na tentativa de se livrar delas, se espoja em mim e acorda estas inquietudes permanentemente?
Porque faço perguntas e não recebo respostas?

82.ª Feira do Livro do Porto



domingo, 10 de junho de 2012

Há abismos insondáveis


Hoje, esta chuva que cai lenta, terna, indolente e pastosa amolece-
-me o pensamento. Torna-me denso, como o nevoeiro que a envolve. Esta noite quieta que oiço passar em carros velozes, estes silêncios cansados de ser, afundam-me em abismos insondáveis da alma negra que me possui. Hoje, estas abstracções ignoradas dão-me a esperança de brevemente não ser e, naturalmente, deixo-me cair em sonhos sem fundo, em tristezas que calo.
Arrepio-me!
Nenhuma paisagem se alarga em mim, nenhuma aguarela deslavada me dá guarida, nenhum esboço de azul-celeste me eriça este sentir envelhecido, duramente endurecido em proposições, em indefinições, em razões sem razão, em flutuações graníticas que choro. Desconheço a sua formação, dói-me esse desconhecimento, hão de ser magmáticas, só pode, são profundas, mais velhas que o tempo, mais profundas que o espaço. Desdenho delas e desdenho de mim: vivo neste paradoxo insanável.
Estremeço!
Aqui, entre quatro paredes, a minha vida fecha-se em si própria, empareda-se num futuro sem renovo, aqui, neste confessionário não me chega nenhuma brisa predizente, nenhum argumento da existência, nenhuma lágrima que me alivie desta falha geológica que existe em mim.

sábado, 9 de junho de 2012

Universos


Este universo onde tropeço permanentemente é insanamente reconfortante. Sou arrastado, não o procuro, a razão parece desaparecer de mim e restam-me emoções que se transformam em pensamentos, pensamentos que tomam forma de angústias, angústias passam a ilusões, ilusões a calafrios, calafrios a paradoxos... é uma maranha de ténues fios entrelaçados que me imobilizam, me conduzem a um estado catatónico psicológico do qual não consigo sair.
Contorço-me frequentemente nestas coisas de mim, inúteis, a semelhar um enredo de telenovela medíocre.
Não me queixo, prefiro assim. Ao torcer e retorcer estas varas de verga da morbidez: encontro-me. Entrelaço-as, crio personagens, desalento-me, estremeço, faço-me tecelão de mim mesmo e fujo do outrem. Prefiro parasitar em mim, prefiro enlouquecer neste meu mundo simbólico do que viajar nos universos vendáveis dos outros.
Prefiro o poente ao Poente;
Prefiro o sol ao Sol;
Prefiro o luar à Lua.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Tempo cinzento


Morre a vida lá fora, crescem-me sentires absurdos na alma. Cresce em mim este descampado, esta forma plaina de existir, sem nada para contar mas com vontade de dizer. Em boa verdade, de dizer nada, de monologar sem razão, de viajar sem destino neste comboio silencioso, sem substância, sacudido violentamente pela incompreensão de universos não revelados, vencido pelo tédio da folha branca em que escrevo, pela busca das palavras que tento poupar, pelo medo da vulgaridade, pelas vésperas do nada.
Adeus! Adeus alma, adeus rio das coisas, adeus saudade indesejada, adeus leve trespasse de luar, adeus varandas, vou partir.
Ouço um apito estridente, um qualquer sussurro longínquo e embarco, embarco sem ânimo mas embarco logo pela manhã, na madrugada de mim, quero chegar antes da inocência. Continuarei fiel a mim mesmo, manter-me-ei estrangeiro a tudo, prometo.
Amanhã estarei longe, vou para o outrora de mim, para a feira das quinquilharias, dos vidrilhos reluzentes, perseguirei a minha sombra como cão raivoso, atravessarei passadeiras sem olhar para o lado, ouvirei pela enésima vez os sons imorredouros até conseguir descobrir a suas tonalidades impressivas que registarei na tela de mim.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Kadish

Oiço sorrisos nas chegadas e silêncios nas partidas. Ainda bem!
Gosto de flores sem cheiro. Ainda bem!
Gosto dos sussurros dos ribeiros! Ainda bem!
Alegram-me as flores de amêndoas cobertas. Ainda bem!
Só o princípio é explicável. Ainda bem!
A eternidade é o fim de todos os caminhos? Ainda bem!
Enlouqueci! As palavras salvam. Ainda bem!
As promessa são fúteis. Prometer é uma blasfémia. Ainda bem!
Agora, caminho sem eu. Ainda bem!
Gero vazios onde me perco. Ainda bem!
Sepulto-me vivo num tempo que não é meu. Ainda bem!
Memento sem memória, eu sou! Ainda bem!
Albufeira ressequida. Ainda bem!
Mar sem marés. Ainda bem!
Futuro sem horizonte. Ainda bem!
Incauto. Ainda bem!
Cisterna escura. Ainda bem!
Rumo ao esgotamento nervoso. Ainda bem!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Só!


Estou só! Aqueles de quem gosto afastam-se, como se sofresse de alguma doença contagiosa, as memórias evaporam-se, volatizam-se como éter, os sentimentos cansam-me, as mágoas avolumam-se, respostas ficam por dar... A minha consciência política desapareceu, reduzo o contacto social ao mínimo, excluo-me do mundo, sou cada vez mais ermo de mim, uma estátua solitária, não vou além de um gemer de portas a encerrarem-se constantemente.
Vivo na periferia do meu subúrbio bafiento mas finjo ser o centro. Finjo espontaneidade, alegria, paciência, amor, finjo “estar” quando em boa verdade navego constante em mim, finjo viver a vida como se ela tivesse sabores, mas perdi o paladar, não passo de um fingimento esmagado por não ser.
Apetece-me mudar de alma, apetece-me dizer tudo, errar pelas palavras, mesmo por aquelas que estou proibido de dizer. Regressar ao futuro, deixar de esconder a cara com as mãos, voltar à escola para novas aprendizagens, sem intervalos dolorosos em mim e muito menos nas estradas que teimo em percorrer em vão.
Estou só!
Resta-me o Céu onde não consigo chegar...

Matallica




(...)

Never opened myself this way
Life is ours, we live it our way
All these words I don't just say
and nothing else matters

(...)

domingo, 3 de junho de 2012

Quimera

Percorro-me. Desta vez levo um único propósito, acredito que debaixo das pedras que em mim habitam, e que iço com esforço, encontrarei a quimera deste sentir emotivo, as razões desta enfermidade, deste panteísmo que me mantém permanentemente neste estado dissonante, neste estado demiúrgigo alquímico que me leva a criar sempre mundos inexistentes. Dar-lhe-ia cânticos de louvor se me surgisse coerente, louvá-lo-ia se me deixasse ver uma fracção mínima da luz imanente de todas as coisas que os poetas dizem ter, mas não, arrebata-me sempre para a escuridão, como se a origem de tudo estivesse no Caos, na desordem de mim, como se nesta fragada confusa, que agora vejo, estivesse o mistério destas grades.
Repenso-me, vezes sem vonta...
Impotente perante a gravidade de mim, e antes que me afunde, olho em redor à procuro de salvação, não encontro ninguém, estou só, definitivamente só, surge-me apenas esta trombótica realidade.
Já insano, salto de fraga em fraga, iço a pedra da Ignorância, vejo apenas acumulações físicas da vida, secretáras polidas, trapos... que me pesam. Levanto a do Saber, e surgem-me apenas caveiras doutorais que vivem na escuridão, tal como eu. Sem utensílios capazes escavo com a unhas, como se fosse um animal feroz, escavo até ao fundo do existir e vejo: Nada. Com esforço levanto a da Virtude e não encontro moral. Desiludido com a realidade, cansado, ergo o olhar e esquadrinho o horizonte à procura de símbolos, olho o Sol, a Lua, as Palavras, mas tudo me parece realisticamente nítido, já no fim soergo a do misticismo, e deixo caí-la de imediato, Nada.
Descrente, desisto.
Avé, salvé, o Absoluto Nada.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sentir as coisas

Ver é nada. Tactear é coisa nenhuma. O prazer que tiro das coisas é senti-las. Senti-las muito para além da incompleta visão, ou do mutilado olfacto... Sentir é a “outra vida” dos sentidos. É visionar a inconsciência da existência, é pensar a beleza sem tempo nem espaço, é dispensar a visão e perder-se na essência da criação.
Sentir as coisas é ir até ao crepúsculo da inexistência, desterrar os deuses e abeirar-se do abismo dos primevos tempos.
Sentir é gozar horas tranquilas na busca do nosso suco sentimental e na procura da insciência existêncial de Nós.
Sentir é morder o lábio inferior enquanto nos olhamos fixamente ao espelho, em esgares de intranquilidade, em busca de nós. É guardar ne memória os gestos e as mãos daqueles que amamos incondionalmente.
Sentir é sentir a chama da vida a queimar inutilmente, deixar a maré do pensamento fluir pelo éter do nada, é sentir-se possuído pela orgia dos sentidos e adormecer de cansaço.