quarta-feira, 31 de julho de 2013

Vórtice temporal

O tempo era cada vez mais lento. Agora, viajava numa cápsula espacial onde o espaço/tempo se conjugam num relativismo einsteiniano. Estava rodeado de matéria negra, um imenso buraco absorvia tudo. Matéria e não-matéria, tudo era absorvido pelas forças do Nada. Um vórtice impelia-o para um estado de vazio, repleto de memórias, de dores, de incompreensões.

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terça-feira, 30 de julho de 2013

Delírio


– As areias do tempo são finas – respondeu ele, virando-lhe as costas – ténues, tão ténues que se esfumam na clepsidra de sonhos.
A discussão ficou por ali. Foi-se.
Pareceu-lhe que o delírio da voz estava a ir longe de mais. Estava a apontar-lhe uma realidade estranha, que deixara de lhe interessar. Estava a apontar-lhe a Rua do Torno. Aquela que tudo molda à sua imagem e semelhança. Estava a dirigi-lo para a terra das máscaras, a terra dos fingimentos contínuos. Não! Não queria sentir-se melhor.
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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Passeio

“Passeio dos sorrisos”, indicava a placa. Seguiu-a. Nada tinha a perder. Emitiu uma gargalhada sem graça e sentiu-se um bobo, um jogral de guizos pendurados nos artelhos. Esboçou um esgar de compreensão, levemente risonho, e sentiu-se cizânia que sobrevive na fenda da fraga. Riu-se com desprezo e sentiu a utopia da justiça. Riu-se da incompreensão e sentiu-se judeu a arder na fogueira. Esboçou um sorriso leve e o crivo social estampou-se-lhe na mente. “Fica para outra vez”, pensou.

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sábado, 27 de julho de 2013

Léo Ferré - La solitude (Live)



Je suis d'un autre pays que le vôtre, d'une autre quartier, d'une autre solitude.
Je m'invente aujourd'hui des chemins de traverse. Je ne suis plus de chez vous.
J'attends des mutants. Biologiquement je m'arrange avec l'idée que je me fais de la biologie: je pisse, j'éjacule, je pleure. Il est de toute première instance que nous façonnions nos idées comme s'il s'agissait d'objets manufacturés.
Je suis prêt à vous procurer les moules. Mais...

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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Além da memória



Medos,
sombras que vagueiam
na parede quadrada
de um círculo vivencial.

Genes,
restos memoriais,
de um passado amnésico
em constante orgia geracional.

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terça-feira, 23 de julho de 2013

Sísifo


A neve da manhã ia-se dissipando quando acabou de subir ao monte. Sentia-se exangue, como sempre, o peso que carregava, a inclinação da serra, tudo isso contribuía para o cansaço que o atormentava. Antes de iniciar a subida, que fazia regular e insistentemente, acodia-lhe sempre um pensamento de desistência. Dizia para consigo mesmo que seria a última vez que faria aquela viagem estafante, que nunca mais aceitaria tamanho sacrifício mas, uma após outra, acabava por, ao longo dos anos, concluir aquele rosário de penas que carregava em todas as suas viagens. Acreditava que sabia porque condescendia. Quando chegava ao cimo, as sensibilidades sociais desapareciam e as horas pensativas que ali passava libertavam-no dos pesos que carregava. Os pensamentos em coisas insondáveis, naquele alto de si, liberta-o dos vales profundos, das promessas sempre adiadas, quebravam-lhe as grades de ferro que trazia dentro dele.

domingo, 21 de julho de 2013

Os livros

Caminhou cinquenta anos apenas numa noite. Não teve dias de paz, não cantou nem bailou, não bebeu vinho que lhe anestesiasse o sentir, não provou açúcares, nem as delícias da luz, alimentou-se de gafanhotos como qualquer eremita, absorveu ideias descabidas e grandiosas que os livros lhe serviram de “mão beijada”, gratuitamente.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Sem título

Desceu mais fundo e, mais à frente, já nas encostas de uma paisagem sem memória, chegam-lhe aos ouvidos sons melodiosos. Avenas de um rio que se adivinhava para lá da última linha de montes. Resquícios de um outro mundo paralelo. A olho nu mediu as distâncias. Estava a muitos quilómetros de si e era difícil avaliá-las, mensurar um mundo que, apesar das tentativas de o descobrir, não reconhecia ainda como seu. Um mundo de múltiplas dimensões, sem substância, um mundo centrifugado pelas rotações sobre si mesmo.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Qual realidade?


“A realidade não é tangível”, pensou ao mesmo tempo que pousava o olhar incrédulo na extremidade do dedo, à procura, provavelmente, de algum resquício de viscosidade que escorria pela parede.
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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Ressonâncias

(...)
Era difícil percepcionar a sua génese. A caverna era demasiado ampla e a ressonância daquelas memórias chegavam-lhe em sincronia mas, paradoxalmente, projectavam-se-lhe na consciência de forma diacrónica. Era como se a mesma memória se projectasse em tempos espaciais diferentes, como se as diferentes galerias que agora estavam à sua frente fossem o mesmo caminho de diferentes tempos memoriais. Parou novamente.
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quinta-feira, 4 de julho de 2013

Blackbird - Crosby, Stills & Nash



Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise

Blackbird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
You were only waiting for this moment to be free

(...)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Passos

Fluir
na inquietude das palavras,
mitificar a matéria,
caminhar no tempo,
tropeçar na morte,
ir em busca da vida:
do amor e do ódio,
de utopias e sincretismos
e,
se possível,
inaugurar o sonho.

terça-feira, 2 de julho de 2013

A entrada

Foram longas horas a caminhar entre a folhagem cultural até descobrir a entrada, muitos livros lidos até descobrir que se escondia entre as dobras dos montes que tantas vezes percorreu, que tantas vezes lhe serviram de inspiração mas, finalmente, descobrira-a. Estava ali mesmo, junto a si, mesmo ao lado do seu respirar. Estranho mas verdadeiro. Mesmo em frente aos seus olhos e nunca a viu. Mesmo ao lado dos seus ouvidos e nunca escutou os seus sussurros. Mesmo ao lodo do seu coração e nunca sentiu a sua presença. Estranho mas verdadeiro!