sábado, 28 de março de 2009

Hematite.

Também já não viu aquela cintura de povos da serra, Felgar, Larinho, Açoreira, Urros, Maçores, Mós, Carviçais,... todos eles de casas muito juntinhas, como se a terra fosse demasiado importante para ser ocupada por casebres de pedra solta, ou então a significar protecção gregarista que os lobos sempre foram muitos. Agora esses lugarejos eram fulgurantes dormitórios da grande multitude que todos os dias subia a encosta e entrava nos intestinos da serra, catacumbas para muitos, e pela tardinha, descia ordeiramente de corpo moído como a salada, diziam alguns, eu digo, vergado pelo peso da hematite, percorria de bicicleta os quilómetros que os separavam de casa, e antes de recolher e maltratar a mulher, coitada, submissa pelo peso dos filhos e pela ignorância.

sábado, 21 de março de 2009

O trabalho.

Agora, sabia que em terra ressequida não há ideia que vingue. Descobrira que na alquimia da vida o elixir das ideias é o trabalho. Revolucionar pelo trabalho há-de ser o seu caminho. FAZER É PRECISO.
Que nenhum livro fique por escrever;
nenhuma palavra por dizer;
nada fique por descobrir.
Que nunca se encubra a verdade.

sábado, 14 de março de 2009

As cores do deserto.

A desertificação, agora, é dada pela superficialidade dos valores que a enformam. As cores são as da aparência, do efémero e do superficial. O brilho é de pasmar, o lustro sempre muito puxado, o invólucro sempre alindado mas o seu interior é leviano e enganador. A verdade deixou de ser severa, já não é algo filosófico que exige sempre longas discussões, muitas horas de profundos pensamentos e longos exercícios de meditação, agora, existem muitas verdades, podem até comprar-se, basta ter dinheiro, sem que ninguém note, segredo miraculosamente guardado pelos offshores criados em sua autoprotecção.

sábado, 7 de março de 2009

Superabundância.

Nunca doeu tanto ver os bairros de lata alinhados ao lado de altos e belíssimos prédios. Nunca doeu tanto notar as diferenças entre o litoral e o interior. Nunca a ciência atingiu tamanho conhecimento mas nunca houve tantos ignorantes. Nunca se editaram tantos livros, mas nunca se vendeu tanta literatura de cordel. Nunca houve tanta produção de discos, mas nunca se vendeu tanta música rançosa. Nunca houve tanta auto-estrada, tantos carros, tantas comunicações, mas nunca doeu tanto ver tanta ilha. Nunca a "Barbie" foi tão supérflua, neste mundo de “bem parecer” e de contrastes marcantes.

domingo, 1 de março de 2009

Existência!

O negrume da noite envolvia tudo em redor, era como se nada existisse. As pedras dos canteiros, as flores... tudo desapareceu. Mas existem, eu sei que existem, porque ainda ontem à luz do dia, as vi. “Tudo existe através de mim”, foi o pensamento que lhe surgiu como um relâmpago, como se naquele momento se tivesse descoberto a si próprio. Tudo está em mim. É dentro de mim que tudo nasce. Começava a acreditar que o Homem era de facto o centro de tudo, a medida de todas as coisas. Ele tudo encerra, o bem e o mal, o bonito e o feio, o céu e o inferno, é no seu íntimo que se processa esse discernimento, nem sempre correctamente, pensava.