terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Rostos

Foto: Paulo Patoleia

O rosto, a expressão do rosto, melhor dizendo, é a janela da alma, como dizem os poetas. Pode ser, e normalmente é, a expressão momentânea do ribeiro que, permanentemente, corre no interior de cada um de nós: às vezes calmo e sereno, outras vezes intempestivo e ludro. A expressão de um rosto pode também ter origem externa e ser a transcendência de um estado de alma alcançado, também momentâneo, quer pelas coisas simples e impressivas que os sentidos conseguem captar, quer porque já todos nós fomos freudeanamente desnudados, e a psicologia das vendas não se cansa de nos saciar. Mas, e não tenho dúvidas de qualquer espécie que a expressão de um rosto contém também a marca indelével de como se pensa o mundo. Um rosto possui também a acumulação de um sentir, de uma forma de estar e de pensar. Há rostos que integram a solidão, as crenças, as alegrias, as tristezas, as certezas, as dúvidas, as angústias, as esperanças... encerram as feridas permanentes de toda uma vida, encarnam a humanidade mais profunda que se pode conhecer.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NATAL - 2010

Nestes tempos, nos tempos em que todos parecem descobrir a fraternidade e a soliedariedade repentinamente, nos tempos em que todos dizem e escrevem mensagens lindíssimas, em mim, apesar de também sentir esse apelo, nasce um receio imenso de cair na banalidade, de dizer aquilo que já foi repetido milhentas vezes, de escrever aquilo que já todos deviam saber. Mesmo escrever que “Natal é quando um homem quiser”, já não passa de uma banalidade, até essa verdade já não é original. Há, no entanto, um verbo que em tudo isso é necessário conjugar: cumprir. Que esse espírito de Natal que todos os anos se renova, por vezes com uma essência demasiado consumista para o meu gosto, mas, mesmo assim, FAÇO VOTOS PARA QUE SE CUMPRA, AO LONGO DE TODO O ANO, ESTE ESPÍRITO DE NATAL QUE NESTA QUADRA PAIRA NO AR.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A grandeza das coisas

– Neste ponto da viagem, onde a insipidez e a monotonia egocêntrica do caminho se associa ao cansaço, torna-se-me evidente que o cérebro produz a consciência das coisas e atribui-lhe sempre uma grandeza em função daquilo que somos – interrompeu o Daniel. – Não falo, obviamente, da grandeza física, falo de uma grandeza subjectiva, mas, se calhar, até a grandeza física é uma função da pessoa. Existem diferentes tamanhos para as coisas, dependem da nossa riqueza interior. Quem não achou minúsculos os espaços que na infância eram enormes? O cérebro não é mero transmissor das sensações, tenham elas a origem que tiverem. Ele é muito mais do que isso, é o gerador e o grande fautor da grandeza das coisas.
O caminho pode adquirir múltiplos significados, dependendo da cultura e dos genes de quem o percorre. Pode não passar de mera vereda limpa, isenta de silvas e giestas, flanqueada por uma tantas igrejas que não vão além de vulgares paredes de pedra talhada. Ou, então, o caminho é uma estrada do conhecimento, uma estrada de transformação da matéria, bordejada de obras-primas da criação humana que emergem da terra sagrada, casas de Deus em que se acredita, e onde tudo se faz em sua honra. Um livro aberto, cultura viva, linguagem que todos percebemos, argamassa que nos une e nos orientou naquilo que somos. Essas visões dependem de nós, da forma como apreendemos o mundo e nos relacionamos com ele.
Fazer o caminho é, juro, um acto interior, e reflexivo.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ultreia! Caminho sem Bermas


Neste livro, descrevo o caminho e as impressões colhidas ao longo do “Caminho Francês”, e vou garatujando um segundo caminho paralelo a esse: o caminho do conhecimento e do não-conhecimento. Este é o caminho simbólico do Daniel, um professor, um artificie de consciências, que ao longo do seu trajecto tenta, em todos os momentos, melhorar enquanto pessoa, encontrar dentro dele a melhor forma de andar ao longo desta senda que é, ao fim e ao cabo, o caminho da vida.

Lançamento: 19 de Novembro de 2010, pelas 21H00, na Biblioteca Municipal de Valongo.

domingo, 11 de julho de 2010

BJH


Aquele erro anacrónico, aquele acrisolamento que se cria nas nossas consciências quando não se vê alguém durante muito tempo e a imagem permanece intacta, como se fosse imune ao tempo, senti-o ontem, talvez no seu grau superlativo. Foi um choque. Ao longo do tempo, sempre os ouvi, sempre que fui à “net” pesquisar os seus vídeos surgiam aquelas imagens antigas, como se nada tivesse mudado. Enganei-me. Passaram 30 anos, eu mudei e eles também. Mas passado o choque não foi mau. Posso até admitir que talvez tivesse sido preferível ficar com essas imagens, as imagens de um outro tempo na minha consciência, mas afora isso, não me arrependi. Com eles vieram à tona da minha memória outras recordações, de um outro tempo que não volta.
- Não volta John Lees! Foi essa certeza que percebi no teu olhar marejado.

domingo, 20 de junho de 2010

Sinal dos tempos

O homem não anda bem. Não é necessário ser médico para lhe reconhecer a doença, está estampada na face. Durante a semana senta-se em frente à televisão à procura dos canais desportivos. Durante os fins-de-semana vê-se pelas ruas salivando abundantemente, perdido, à procura de televisões que transmitem jogos. Quem o quiser encontrar é ir aos centros comerciais e procurá-lo em frente às montras de electrodomésticos. Encontrá-lo-á encostado à parede fronteira, de rádio encostado ao ouvido, a escutar os relatos, à medida que as imagens da bola se vão multiplicando nas televisões de última tecnologia.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

domingo, 6 de junho de 2010

Visão

O mundo visto daqui, destas encostas penhascosas, é diferente, completamente diferente. Este mundo é o das origens, das raízes, daqui fica-se com a visão clara de que a conurbação nos despersonaliza, nos destempera.

sábado, 29 de maio de 2010

O ar que se respira

Simula-se sapiência, conhecimento e autoridade. O mercantilismo dos tempos obriga a que as leis do mercado e da aparente ascensão social se sobreponham a todas as outras. Tudo se faz para não manchar o impoluto papel que se prefere sempre branco, sem riscos, sem correcções, a manifestar certezas absolutas. Tudo se faz para revelar manchas da pouca constância. Suspenda-se tudo. Aguente-se tudo até passarem as eleições, aguentem-no até ao fim do ano, aguentem até eu sair daqui, não façam nada, esperem que o tempo resolva…

domingo, 16 de maio de 2010

Novo dicionário

A “esperteza” teve, noutros tempos, o significado de sagacidade, perspicácia, até mesmo astúcia. Hoje, o conceito está completamente ultrapassado. Hoje, ser esperto é ser bem-falante e jogar facilmente com as palavras: falar muito mas nada dizer. Ser esperto é afirmar hoje certezas que no próximo mês se negam categoricamente. Ser esperto é ter sido apanhado com a “boca no trombone”, andar nas bocas do mundo e não corar de vergonha. Hoje, ser esperto é gabar-se de ser capaz de viver sem trabalhar. Ser esperto é vestir bem, dizer as maiores aleivosias, e rir delas, despudoradamente, como se tivesse feito uma piada de grande inteligência.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

sábado, 8 de maio de 2010

O embrulho

A cena merece ser contada, tem todos os ingredientes destes tempos pós-modernos que todos vivemos. O seu embrulho era impecável: era alto, desempenado, gravata de seda, camisa branca debaixo de um casaco impecavelmente limpo. O homem vendia livros, o que acabava por rematar todo aquele ar sapiente que Deus lhe deu, digo, o Dinheiro lhe deu. Os clientes, um pouco receosos, aproximavam-se dele de livros numa mão e cartão de crédito noutra, e ele, de telemóvel em punho, sem se dignar olhar para eles, sem mostrar a mínima delicadeza para quem lhe punha o dinheiro na mão, continuava a delinear, de viva voz, o encontro com a amante em Paris.
De certeza que avaliava livros pela capa.

sábado, 1 de maio de 2010

Não apaguem a memória



Não apaguem a memória, apaguem antes os fantasmas que possam existir dentro de cada um de nós, esses sim não devem existir. Apagar a memória colectiva é como tirar a argamassa que une as pedras de uma parede. Mais tarde ou mais cedo desmoronar-se-á.

sábado, 24 de abril de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sons do Tempo - 4



Todas as crianças no parque
Procuram a escultura para descobrir onde estás.
Todos os cegos na escuridão, seguem-te.
Sabes para onde vais?
Todos os viajantes no caminho
Libertam-se da carga e vêem para onde vais.
Todos os mortais com suas perdas
Seguem-te para qualquer lugar, seguem-te.
Sabes para onde vais?
Filósofo,
Olha ao teu redor,
Verás que estão por todo o lado,
Todas essas pessoas estão caindo.
Filósofo,
Podes sobreviver no mundo que ensinas?
E podemos viver no mundo que pregas?
Toda a gente está fora desse alcance.
Todas a gente quer mais,
Têm necessidade de seguir um filósofo.
Os ricos e os pobres
Seguem-te para qualquer lugar, seguem-te.
Sabes para onde vais?
Filósofo,
Olha ao teu redor
Verás que estão por todo o lado,
Todas essas pessoas estão caindo.
Filósofo,
Podes sobreviver no mundo que ensinas?
E podemos viver no mundo que pregas?
Todas a gente está fora desse alcance.
Filósofo,
Olha ao teu redor
Verás que estão por todo o lado
Todas essas pessoas estão caindo.

sábado, 17 de abril de 2010

O nevoeiro


O caminho estava cada vez difícil de percorrer. Não porque surgissem pedregulhos que impedissem o andamento, bem pelo contrário, não faltavam máquinas escavadoras e niveladoras a desbravar o caminho. A dificuldade era de outra monta. Um nevoeiro imbecilizante impedia de ver a direcção do caminho. Os marinheiros navegavam com terra à vista, os aviões não levantavam voo, os caminheiros, impotentes, aguardavam em casa, pacientemente, que o maldito nevoeiro se dissipasse.

domingo, 11 de abril de 2010

Ser cego


Nunca tinha visto a luz do dia. Para ele a geometria das coisas era extasiante. Para ele que não conhecia a geometria da natureza o significado das palavras tinham sempre um encantamento especial, todos os seus referentes eram maravilhosos. Ele que nunca tinha visto as cores da doença, que nunca tinha visto a cara da fome quando lhe restituíram a visão entrou em depressão profunda. Aquele não era o seu mundo, preferia a cegueira.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Nunca olho para trás


Fui-me. Um emaranhado de sentimentos percorreu-me o corpo. Jurei nunca mais voltar. Queria estar longe, longe daquele turbilhão de emoções que afluiam sem perceber a sua origem. Fugi.
Hoje sei que o nascedouro era um desassossego de dúvidas sistemáticas que me perseguiam há muito tempo, mas consegui libertar-me delas. Pode até ser um poema do tamanho do mundo, como dizes, mas não existe: caro amigo, o “se...” não existe, não me convences, não existe!Ponto.

terça-feira, 30 de março de 2010

sábado, 27 de março de 2010

A idade do tempo


O tempo passou a visitar-me mais assiduamente, dizia o velho. Antigamente, que tinha muito pela frente, raramente me aparecia e, se o fazia, era sempre em forma de trovoada, de uma geada, de uma ventania, o tempo era apenas isso, nada mais. Nunca assumia formas imateriais, ou se o fazia era sempre de forma fugaz. Assomava na dobra de uma ideia, na esquina de um dia, mas imediatamente desaparecia: logo se verá; vamos andando e vendo; isso pouco importa...
Era como se nem existisse.
Agora, que praticamente já o gastei, todos os dias me visita. Todos os dias me traz uma gargalhada de criança, todos os dias joga às caricas no adro da igreja, todos os dias oiço o terror da morte, o medo da doença, a ingratidão da solidão.

domingo, 21 de março de 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

Aprender

– Aprender é muito mais que isso – continuava a explicar o professor –, aprender é ser capaz de se transformar, aprender é abrir dentro de nós um espaço de reflexão e mantê-lo permanentemente aberto. Nunca permitir que se compare a um mero centro comercial onde tudo se pode comprar, ou então a um mero celeiro de conhecimentos, e muito menos a calabouços do saber.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Sons de Sempre - 2



Ei tu,
Aí fora no frio
sozinho, envelhecendo
És capaz de me sentir?

Ei tu,
De pé no corredor
Com pés sarnentos e sorriso fraco
És capaz de me sentir?

Ei tu,
Não os ajudes a enterrar a luz
Não te entregues sem lutar

Ei tu,
Aí fora na sua
Sentado, nu, ao telefone
És capaz de me tocar?

Ei tu,
Com o ouvido contra o muro
Esperando alguém para chamares
És capaz de me tocar?

Ei tu,
Ajudas-me a carregar a pedra?
Abre o teu coração, vou para casa

Mas era apenas fantasia
O muro era muito alto, como tu podes ver
Não importa o quanto ele tentasse, ele não se poderia libertar
E os vermes comeram seu cérebro

Ei tu,
Aí fora, na estrada
Fazendo o que te mandam
És capaz de me sentir?

Ei tu,
Aí fora, além do muro
Quebrando garrafas no corredor
És capaz de me tocar?

Ei tu,
Não me digas que não há nenhuma esperança
Juntos resistimos, separados caímos

domingo, 7 de março de 2010

Ribeiros...

Se eu fosse ribeiro primeiro aprenderia a escutar-me, depois, depois não hesitaria em rasgar montes, a abrir vales, esculpir as mais duras pedras existentes. Não queria ser ribeiro de águas mansas, queria ser torrente de água clara, chegar sem demora ao mar, andar depressa, ir para além do horizonte. Se eu fosse ribeiro não queria navegar em águas paradas, lamacentas, que nada criam, nada produzem, que se limiam a estar, a simplesmente existir, que tudo entopem, incapazes de abrir sulcos nas mais moles consciências. As águas estagnadas não justificam a sua existência.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Ecos

Dois. Depois, olho em redor, esquadrinho os teus montes, procuro neles esse vislumbre que tu não és capaz de me dar. Procuro nas giestas, nas estevas, na dureza das fragas, nos torrões, nas amendoeiras, nas rugas dos homens de pele curtida, até na toponímica que tanto me impressionou noutros tempos, e que nunca soube explicar, procuro esse sinal, e o resultado... Parece que troças do meu desalento. Ris-te despudoradamente desta minha incapacidade, desta minha veleidade de tudo querer captar, desta minha fantasia de querer entrar nessa tua quinta-essência, que eu sei possuíres, mas tu ignoras-me, estás rendida a outros valores que não são meus, que eu não compreendo, não te consigo entender, estás fechada em ti mesma,fazes-me pena.
Não sei qual a origem da tamanha incompreensão.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Incompreensão

Um. Quando te encontro, percorro-te as tuas/minhas ruas húmidas, irregulares, à procura nem sei bem do quê, talvez de um sinal, de um murmúrio, de uma brisa que me tire desta minha incompreensão. Noutros tempos, apesar da tua pequenez, foste capaz de me dar respostas, hoje, peço-te que me escutes que, simplesmente, me entendas, faz um esforço, vê lá!, mas tu... nada! Permaneces muda e surda, nada tens para me dizer, nem um agouro de esperança me transmites. Nem a tua vetustez , que tanto aprecio, me diz nada, estás desértica, seca, mesquinha...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Os sons de sempre



Vou confirmar

Ticking away the moments that make up a dull day
You fritter and waste the hours in an off hand way
Kicking around on a piece of ground in your home town
Waiting for someone or something to show you the way

Tired of lying in the sunshine staying home to watch the rain
You are young and life is long and there is time to kill today
And then one day you find ten years have got behind you
No one told you when to run, you missed the starting gun

And you run and you run to catch up with the sun, but it's sinking
And racing around to come up behind you again
The sun is the same in a relative way, but you're older
Shorter of breath and one day closer to death

Every year is getting shorter, never seem to find the time
Plans that either come to naught or half a page of scribbled lines
Hanging on in quiet desperation is the English way
The time is gone the song is over, thought I'd something more to say

Home, home again
I like to be here when I can
When I come home cold and tired
It's good to warm my bones beside the fire
Far away across the field
The tolling of the iron bell
Calls the faithful to their knees
To hear the softly spoken magic spells

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Sinais

Ter a intuição do tempo é ser banal e medíocre, esbanjar, viver a fartura, procurar o prazer imediato, evitar trabalho e afastar responsabilidades. Esses, sim!, possuem a intuição do tempo. Esses espertos, gerados neste deserto de valores que alastra diariamente, mais tarde ou mais cedo, hão-de aprisionar o sistema e acabar por alcançar o topo da pirâmide.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Sons do Tempo - 3



Todos me dizem que o negro, Llorona
Negro, mas carinhoso.
Todos me dizem que o negro, Llorona
Negro, mas carinhoso.
Eu sou como o Chile verde, Llorona
Picante mas saboroso.
Eu sou como o Chile verde, Llorona
Picante mas saboroso.

Ai!, de mim, Llorona, Llorona, Llorona,
Leva-me ao rio
Cobre-me como teu cabelo, Llorona
Porque eu morro de frio

Sim!, porque te quero , queres, Llorona
Queres que te queira mais
Se já te tiraram a vida, Llorona
O que mais queres?
Queres mais?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O Grande Circo

As mudanças radicais esperadas são muitas, a crer no mestre-de-cerimónias do Grande Circo Ocidental: entrem senhores, entrem! Pasmem-se com robots mais inteligentes do que os homens. Venham ver o leão teletransportado a partir de África, venham antecipar o futuro, regressem ao passado. E os gentios, já persuadidos pelas cerimoniosas palavras, impacientavam-se ao longo da fila, bebendo-lhe com avidez as palavras. Esqueçam a ficção cinéfila mais ousada – continuava –, esqueçam o dróide C-3PO e o biónico Darth Vader da Guerra das Estrelas, entrem num universo paralelo onde se desenvolveu uma nova espécie, dominadora e dominada. Venham conhecer o verdadeiro homem-máquina, saibam mais dos seus neurodispositivos, implantes cerebrais que lhe potencializam as funções cerebrais. Cavalheiros! Venham adquirir a viagem da vossa vida, venham sentir a imponderabilidade de umas férias na Lua.
E não era banha da cobra que anunciava. Era a mais pura das realidades. Lá dentro, na grande tenda, o primeiro andróide desafiava qualquer humano numa partida de xadrez. Na outra pista, o primeiro cyborg-pintor elaborava, mecanicamente e em poucos segundos, imagens fractais de raríssima beleza. O mestre-de-cerimónias, na exaltação do momento, atrevia-se a chama-lhe “arte”. E os humanos, nas bancadas, passivamente sentados, geneticamente transformados, mecanicamente educados, já esquecidos de Rembrandt e de Picasso, aplaudiam tamanha proeza.

Aqui

domingo, 31 de janeiro de 2010

Searas

Nos montes em redor não havia palmo de terra que escapasse à enxada, não havia fenda de fraga ou carcavão que não desse centeio. Da Canadinha ao Bravio, dos Marmeirais à Penacurva eram searas ondulantes a perder vista. Lá do alto do Malhãozinho, por onde botava o caminho, as vagas de ondas luminosas dos trigos vagueavam pelas encostas. O olhar alienava-se ao vê-las cirandar docemente, ficava-se de olhos arregalados a vislumbrar aquela onda que subia monte acima, devagar, a perder de vista, sem se perceber muito bem quando aquela terminava e se iniciava outra.

domingo, 24 de janeiro de 2010

A ubiquidade



– A ubiquidade existe. – Afirmou, muito convicto, o homem de cabelos brancos.
– A ubiquidade existe? – instou o seu interlocutor muito estupefacto, perante tal afirmação.
– Existe... – continuou ele. – Não me refiro ao "dom da ubiquidade", não me refiro às capacidades extra-sensoriais que não tenho, nem me refiro à ubiquidade das novas tecnologias que transformam o mundo num lugar comum. Refiro-me à ubiquidade muito humana que nos permite rememorar locais que não esquecemos, falo da beleza das pessoas que habitam esse locais e que nunca se esquecem. A ubiquidade existe.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Agitação Social

Naquela agitação social, complexa, estava patente também a falta de petróleo. Já se via o fundo do barril, todos sabiam disso, mas as fontes de energia renováveis ainda não constituíam uma verdadeira alternativa. Havia quem dissesse que o modelo social estava esgotado, mas nenhum outro surgia como verdadeira alternativa. Apelava-se ao patriotismo, que já ninguém conhecia tal conceito, ao civismo, à cidadania, criavam-se campanhas de mudança de atitude, mas tudo resultava em violentas e fortes contestações de rua. A situação era de tal monta que, muitos países, democracias de pergaminhos, incapazes de estancar toda a agitação social propunham conceitos de sociedade mais controladas, drásticas, sem liberdade de opinião, sem liberdade de reunião, sem…

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Dignidade humana

Não é distante, é logo ali, depois da primeira linha de montes, mesmo ao lado daquela daquela gelha que esconde a liberdade, junto ao caminho da equidade, depois daqueles escombros de guerra amontoados. Fica próxima, à distancia de um olhar de criança, é volumosa, encorpada, tem a dimensão da alma humana. Vê-se perfeitamente, os seus contornos são nítidos, verticais como fios-de-prumo, a atmosfera que a envolve é transparente, cristalina, não há neblinas nem poeiras de luz que a ofusquem. Não tem preço, qualquer um a pode alcançar.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Já não está entre nós...



Notícia

La route chante
Quand je m’en vais
Je fais trois pas…
La route se tait

La route est noire
À perte de vue
Je fais trois pas…
La route n’est plus

Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez

Mains de dentelle
Figure de bois
Le corps en brique
Les yeux qui piquent

Mains de dentelle
Figure de bois
Je fais trois pas…
Et tu es là

Sur la marée haute
Je suis montée
La tête est pleine
Mais le cœur n’a
Pas assez

sábado, 2 de janeiro de 2010

Ainda as cores...

São vidas embebidas num impressionismo vangoghiano, rodeadas de cores deslumbrantes, rosas-choque, azuis-intensos, brancos-puros, eflorescência de pedras preciosas, mas, no entanto, desconhecem a existência dos cinzentos-pobreza, dos pretos-fome e os amarelos-doentios.