quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Boas Festas!

Fiquem bem, fiquem com o Natal inquietante do PEDRO CASTELHANO.

Quando o Natal chegar
liberta o pirilampo e liberta a Luz
arruma a ternura e arruma a casa.
E areja o sótão da tua infância.
Quando o Natal chegar
dá música aos surdos
e palavra aos mudos
afaga laranjas nas mãos frias
e figos secos ao luar
e amêndoas de Agosto a quem chegar
e limões, e ácidos limões, em teu lugar.

Quando o Natal chegar
à beira do rio olha a outra margem
cheia de sombras, pedras e perdas
e abre os braços, colunas e apontes
e começa a alma qual piano
Na translúcida mágoa de nada tocar.

Quando o Natal chegar
Jesus já passou sem passar
na barca do tempo, entre margens
sem rio, mas à beira de naufragar.
Quando o Natal chegar
não leves granadas para casa
nem pombas para qualquer lugar.
Caça pombas ao anoitecer, morcegos
da tristeza e olhares cegos e vazios.

(…)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Tudo é passageiro

Antes que termine o dia, antes que a noite me apague a consciência de existir quero, mais uma vez, dialogar comigo. Quero encontrar razões para continuar a descrever paisagens que não existem, a burilar sem buril ou a pintar sem pincel e, sinceramente, não as encontro. Passo em revista tudo o que foi escrito e é como se estivesse debruçado sobre um espelho de água. Tudo não passa de uns farrapos de memória, pequenas arrelias, grandes preocupações. Quando me parece ter aberto uma porta logo outra encontro fechada, parece-me interminável esta busca, quando na realidade tudo tem um fim. Talvez prozac! Pela segunda vez sinto que não faz sentido continuar.
Na vida tudo e todos passam!
Talvez o novo ano me traga mais alento, coisa que hoje não tenho.
Até lá!

Vanessa Mae

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Fio de Ariadne

Quanto maior é ânsia de compreender maior o abismo cavado. Tendo abster-me de pensar, libertar-me do produto deste intrincado circuito de sinapses, que não conheço, que não sei onde começa e onde termina, mas que, paradoxalmente, parecem possuir vontade própria. Não me obedecem! Sigo o fio de Ariadne mas logo se me escapa uma ponta e se inicia outra. Levanto-me, ando de trás para a frente, respiro fundo, espreito à janela… nada surte efeito. É impossível controlar este monstro chamado pensamento! É de tal forma poderoso, tão profundamente humano que é irrealizável sair deste dédalo de emoções e pensamentos.
- Age – segredam-me ao ouvido.
Agir é a fórmula para sair do labiríntico mundo interior, concluo.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ânsia

Às vezes, na ânsia da vida, abrimos portas que nunca suspeitaríamos. No nosso mundo interior acabamos, muitas vezes, por descobrir outras realidades tão distantes e tão próximas que, suspeito, nos ultrapassamos a nós próprios. Criamos paisagens luarentas e não só, fazemos amigos interiores, encontramos beleza em sorrisos e olhares que nunca existiram antes ou, se existiram, estavam recalcados nas profundezas do nosso inconsciente, lá bem no fundo do iceberg, onde os medos e as pulsões vagueiam desordenadamente como lobos esfaimados. Nesse Mundo ilusório, cuja substância é o silêncio, acabamos por ser caixeiros-viajantes, argonautas, fonte de ribeiros, contadores de histórias que nada valem mas que quase se tornam realidade. Há muita magia no abrir destas portas.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Desde o "Nada" até ao "Ter"


Não sei! Cismo. Monto-me no pensamento e cavalgo, cavalgo à procura de nada, de algo para escrever, e deparo-me com o “nada”. Rebusco as palavras, procuro conceitos, leio Kant, Sartre… mas desisto, já tudo foi definido. Regresso a mim e entro no meu vácuo. Dói-me a imaginação de tanto rebuscar. Procuro! Procuro em mim, e nos outros, a massa, o peso, o centro de gravidade do "Ser" e também não o encontro. Deparo-me com o "Ter".

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A verdade

As dúvidas adensavam-se e terminavam sempre com o mesmo comentário: quero a verdade, que parece faltar. E a resposta era sempre a mesma:
- A verdade foi aquela que ficou dita.
Era como se o quisessem obriga-lo a dizer a sua, deles, verdade. Que verdade lhe deveria contar? A verdade do País? A verdade dos Senhores?...

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

The Doors



(...)

Of our elaborate plans, the end
Of everything that stands, the end
No safety or surprise, the end
I'll never look into your eyes...again

(...)

A porta de indigência

Os barulhos da fome foram diminuindo, a luz também, e com ela a vontade de não querer existir. Lentamente entrou nessa porta. Um mundo que desejava conhecer profundamente, penetrar nas profundezas da sua alma. Enlamear-se na existência humana, emporcalhar-se na merda da sua indigência genética. E, lentamente, deixou-se ir.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Vertigens

(A imagem encontra-se protegida por direitos autorais.)

Às vezes, quando subo à torre de menagem dos meus pensamentos, sinto vertigens. Lá do alto das ameias olho e descortino apenas o fosso profundo que os cerca. Estou só. Arrepio-me! Viro a cara, anulo-me, reprimo-me, mas uma força desconhecida impele-me a olhar. Vejo-me suspenso no ar, de olhos esbugalhados, à procura de verdades que se dissolvem no escuro, mesmo debaixo dos meus pés. Agarro-me a elas com todas as minhas forças mas quebram-se, caem como castelo de um baralho de cartas. Desnudo-me, à procura de mim, à procura dos “conceitos absolutos” que sempre dei como certo e não os encontro. Estão ausentes. Descubro apenas que nada valho. Não passo de uma mera massa corporal disforme.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Eros e Thanatos


Velhos amigos. A um procuramo-lo ao outro caminhamos inexoravelmente para ele. Um faz parte do caminho, nasce e morre no mesmo dia, se necessário for, o outro é o fim do mesmo, a noite eterna. Um é perene o outro é fugaz. O bizarro de tudo isto é que conseguem semelhar-se num ponto: a “petite mort”.

Braveheart



Tenho este filme como um dos melhores. Agrada-me a ideia romântica de a partir de uma história simples, de amor e de injustiça profunda, chegar, praticamente, à grandiosidade da construção de um país.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

No âmago...



O que era aquilo? Que escuridão? Que medonho? Ele podia “não-Ser”. Podia ser o “absoluto nada”, a “coisa-nenhuma”, a “inexistência”, o “não-destino”.
Libertou-se da “não-existência” mas ficou agarrado a uma forma que só o largará na morte.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Pintando a vida…


Nesta existência ajustada, por vezes viela urbana por vezes vereda montesina, caminho, a passos curtos, encaixado entre taludes opacos e paredes sombrias, mas que, apesar de tudo, me incitam a prosseguir.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Metafísica


Nesse instante o céu e a terra, o bem e o mal, a vida e a morte concentraram-se nele. Ele viu a luz e a matéria negra do Universo em simultâneo. Foi estranho e medonho! Nesse instante ele foi núcleo de todas as forças existentes no interior do Homem. Protão e neutrão, partículas quânticas de uma física desconhecida. Ínfimas partes, física e mentais, de um todo que constituía a sua curta vida.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Queen


(...)

Because I'm easy come, easy go
A little high, little low
Anyway the wind blows
Doesn't really matter to me, to me

Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead
Mama, life had just begun

(...)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Déjà lu...

A Lema d'Origem não fez mais que um pequeno gesto para ajudar uma istituição que merece muito mais.

São obras déjà lu.

domingo, 27 de novembro de 2011

Esculturas


Escultor: Carlos Barreira;
Saber mais: Aqui

-Que materiais já trabalhou? – perguntou o Chico ao mestre escultor.
-Muitos! – respondeu-lhe ele secamente, como se não quisesse adiantar conversa.
O aprendiz de escultor, que não era aluno de ficar pela rama das coisas, sempre com uma fome de conhecimento cativante voltou a insistir:
- Diga-me mestre, diga-me quais?
O Mestre olhou-o fixamente e desbobinou:
- Granito, xisto, mármore, ferro, gesso, poliuretano…
A lista foi longa, tão longa que foi o próprio aprendiz a travá-lo.
- Qual deles gostou mais de esculpir?
- O granito – respondeu, quase sem pensar. - E porque já sei qual a pergunta seguinte sempre te digo que apesar de ser dura como cornos é uma rocha fiel, parte sempre pelos sítios que queremos talhar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Revolução

As revoluções devem começar no interior de cada um de nós, ouvi dizer a alguém. Gosto dessa visão! Se cada um de nós fizer a sua própria revolução interior, se no seu interior conseguir encontrar o equilíbrio interno de que todos necessitamos para compreender este mundo de mudanças permanentes e paradoxais, se essa revolução for feita, o mundo melhorará inevitavelmente e será cada vez mais justo e perfeito.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Johnny Cash



Your own personal Jesus
Someone to hear your prayers
Someone who cares
Your own personal Jesus
Someone to hear your prayers
Someone who's there

(...)

Pedras graníticas

Saber mais.

Outros, pelo contrário, procuram o seu estado de aperfeiçoamento dentro de eles próprios. Dentro deles encontram as suas próprias respostas. Questionam-se, duvidam, armam, desarmam, burilam-nas, desbastam-nas, alimentam-as... e nesse trabalho constante, sempre incompleto, e de grande desgaste, acabam por encontrar o seu método de aperfeiçoamento. Encontram-se a eles próprios, chegam às suas próprias conclusões, opinam, traçam o seu próprio caminho, não deixam que os outros decidam por ele.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Déjà vu...

Há gente que nasce, vive e morre sem nunca perder um segundo da sua vida com as "grandes questões”, sem nunca se questionar com a razão da sua existência, sem nunca procurar a direcção certa do caminho que pretende e tem que percorrer. Vivem ao sabor do vento, numa azáfama que muitas vezes a vida lhe impõe e eles, inconscientemente, ou não, dependerá dos casos, deixam-se ir. Deixam-se arrastar pelas tempestades do seu dia-a-dia, pelas dificuldades da vida, pelo consumismo desmesurado, por vezes a pisar o próximo… sem nunca procurar o aperfeiçoamento nas suas vidas, nunca tentar desbastar a pedra bruta que todos somos.

sábado, 19 de novembro de 2011

Um dia de outono

O dia deu em chuvoso. De repente um vendaval levantou-se, sem que nada o esperasse, e levou tudo com ele. Levou tudo! Foi violento. Mesmo o raizame mais profundo abanou. Os galhos abanaram, as folhas soltaram-se, esvoaçaram, redemoinharam e acumularam-se a um canto, a semelhar páginas amolecidas e amarelecidas de um livro. Perante tamanha violência vergo-me, deixo-me levar pela força dos quatro ventos que me assolam. Pergunto-me por mim? Quero saber quem sou?
Olho para trás e vejo-me. Vejo-me cheio de tédio, um tédio granítico mas amigo. Uma lapa abrigada à sombra deste leixão constantemente fustigado pelas ondas de uma existência escusada.
Gostava de me poder sossegar sem ter sossego. Gostava de nada sentir, de poder caminhar cego, surdo e mudo.
Volto à prisão.

domingo, 13 de novembro de 2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Fermento de Liberdade

Para não ser considerado lorpa aqui vai autopromoção:

Título: Fermento de Liberdade;
Autor: António Sá Gué;
Editora: Lema d'Origem;
Capa:Joana de Rosa;
Lançamento: Aqui
O que se diz:
Um livro que se lê com um triplo prazer. Porque cativante, prendendo o leitor da primeira à última página num ritmo e numa teia muito bem urdida. Porque nos prende pelas reflexões das suas personagens, que são afinal as nossas reflexões. E porque muito bem escrito. O autor, sem que com isso se perca o ritmo da narrativa, permite-nos deliciar e viajar pela riqueza vocabular e léxica da nossa língua. Tenho para mim que Torga ou Aquilino Ribeiro não desdenhariam assinar muitas destas páginas.
Espero que a leitura deste livro fermente, em todos os que o lerem, a vontade de “que nunca mais”.
Joel Cleto

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Lendas do Porto


Uma lenda carrega com ela sempre um peso ancestral. É algo que me remete para um tempo longínquo, é como se esgravatasse na génese das coisas, ou então, como se fosse ao útero da nossa existência, o que é um desafio medonho mas simultaneamente enriquecedor. Apetece-me dizer que é como se andasse a remexer nos nossos abismos e regressasse mais rico.
Ler lendas é sentir o peso do tempo, o que muito me agrada, como já se viu. Ler lendas de locais que conheço é um duplo prazer. Ler lendas que envolvem locais que me são comuns é obrigar-me a viajar neste espaço/tempo que é meu, é obrigar-me a interpretá-las e assim poder entrar no início da maravilhosa caminhada humana, de que falava lá atrás.
Ao ler as Lendas do Porto, do Joel Cleto, deve acrescentar o prazer de sobriedade estilística do autor e a desenvoltura da narrativa que consegue imprimir em todos momentos. Ler as Lendas do Porto é desafiar o leitor a procurar uma permanente contextualização dos vocábulos e das frases, ou seja, obrigá-lo a percorrer os diferentes sentidos que ambos podem assumir.

Ler JOEL CLETO é como aprender a escavar no tempo e na alma coletiva portuense. Ele, que vem da arqueologia, transporta esse conhecimento com mestria para as palavras. Pouco a pouco, pazada após pazada, são-nos revelados fragmentos de uma cultura, despojos soterrados (por vezes já prensadas) em camadas do nosso “inconsciente coletivo” e que ali estão, silenciosamente, à espera de se manifestarm.
É como se, em câmara escura, as fotografias de um determinado tempo e espaço, fossem sendo reveladas e, aos nossos olhos, sempre ávidos de luz, o negativo se fosse transformando em positivo.
À medida que se vai avançando nas páginas vão-nos sendo revelados segredos de um templo imaterial, sustentado em colunas que somos todos nós, que reconhecemos como fazendo parte da nossa “consciência coletiva”, mas que tantas vezes menosprezamos.

NÃO PERCA!

Título: Lendas do Porto;
Autor: Joel Cleto;
Editora: QUIDNOVI;
Apresentação: Aqui

O Porto e a sua História

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

As Minhas Memórias


O mar é e será sempre uma bela metáfora. Poderá sempre significar o inconsciente, desordenado e profundo, um lago de emoções que não dominamos mas que nos condiciona. Poderá sempre significar toda a nossa vida repleta de alegrias e tristeza, altos e baixos que vamos vivendo e, depois, à tona, rochedos, ínfimas recordações conscientes que aqui se consubstanciam em memórias de uma vida.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Kate Bush


(...)
Bad dreams in the night
You told me I was going to lose the fight
Leave behind my wuthering, wuthering
Wuthering Heights
(...)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O mito das nereidas

Créditos autorais da imagem:
Título: Áqua
Autor: SAGA
Chamavam-lhe o “sonhador”, o “inocente”, inocente com aquele significado de imbecil. Ele bem sabia isso mas nunca se importava, continuava a devanear por tudo e por nada e, em boa verdade, não era nada disso que sentia. Bem pelo contrário! Tempestades enormes levantavam-se-lhe do nada. Coriscos assolavam-no continuamente, roncos do diabo e ondas medonhas erguiam-se-lhe em todas as dimensões.
E foi com estes pensamentos na cabeça que, um dia, já depois dos trinta, se levantou com a bela Aurora e foi escutar as nereidas à Fonte dos Sonhos. Foi sozinho, não disse a ninguém, queria ouvi-las, queria ter a certeza que conseguia provar a si próprio a sua existência.
Ainda ia longe e já um cântico longínquo o encantava. Parou. Apurou o ouvido e teve a certeza que aquele poema só podia ser das filhas de Nereu, era demasiado belo para ser deste mundo. Era longínquo, mas profundamente humano. Voltou a parar. Agora, caminhava lentamente, em bico de pés. Quanto mais se aproximava mais tinha a certeza daquilo que ouvia. O jorro de água marulhava e, lá dentro, uma sinfonia wagneriana, tumultuosa, manifestava-se-lhe na sombra da sua anima.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Só a vida interessa (continuação)

Acabei por não almoçar… Perdi-me nas páginas de um livro. Deixei-me seduzir pelas palavras, pelas ideias, pela tempestade de um livro que folheei por acaso. Estava numa prateleira elevada, não naquelas que se posicionam à altura dos olhos, naquelas em que todos, compulsivamente, são levados a comprar. Não sei porque peguei nele. Nem foi a capa que me seduziu, também aqui fugi às regras do mercado, vá-se lá saber porquê? Há um novo paradigma emergente, creio. Acho que os conceitos do condicionamento humano estão a ser alteradas, as universidades, as cadeiras de “marketing” terão que ensinar novas teorias.

domingo, 6 de novembro de 2011

Só a vida interessa

- Aposto que esta crise, esta guerra de economia, que se vive, e que parece tão importante, daqui a quinhentos anos ninguém se lembrará dela. Haverá, quando muito, uma dezena de eruditos que a estudam, que farão conferências com ela, mas nada mais… Os líderes que a geraram, ou que não a souberam resolver, serão apenas um nome difícil de pronunciar.
Aposto que daqui a dois ou três mil anos esta crise já nem será estudada. Será apenas mais uma crise das muitas crises que a globalização, e da qual não há fuga, há de gerar. Os líderes que a geraram, ou que não a souberam resolver, serão apenas átomos de um qualquer composto orgânico.
Aposto que daqui a dez mil anos os líderes que a geraram, ou que não a souberam resolver, serão apenas átomos de um qualquer composto inorgânico.
Vou almoçar…

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Fausto

As Histórias que o Povo Tece – Contos do Marão

Não andarei muito longe da verdade se disser que atualmente há uma geração de escritores transmontanos, e é a última, que ainda vivenciou uma determinada ruralidade, uma determinada forma de ver e de estar no mundo. Se isto é verdade, este é o tempo oportuno para registar momentos, sentimentos e histórias como estas que a autora nos descreve de uma forma tão genuína e tão autêntica.
Esta é a geração que ainda ouviu estórias à luz da candeia, que se arrepiou com as travessuras dos trasgos, com os faunos que nasciam de trás das árvores, com os lobisomens que se transformavam em noites de lua cheia, com as “almas do outro mundo” que povoavam os caminhos pedregulhentos que se percorriam antes do sol nascer ou depois de o mesmo se pôr. Esta é a geração que escutou um certo linguarejar, que conhece a Força desse léxico que nos define, que conhece bem a Sabedoria que passava oralmente em redor de uma fogueira crepitante e aconchegante, e que está em vias de desaparecer.
Esta é a geração de escritores transmontanos que conhece a Beleza dessa cultura, que nos fez, que nos define, e que, por força dessas circunstâncias, tem a obrigação e até a responsabilidade de a fixar na escrita. Só assim as gerações vindouras poderão conhecer-nos, e conhecerem-se, só assim, quando esses traços idiossincráticos já não existirem, quando já todos formos europeus, quando só a cultura anglo-saxónica povoar o seu imaginário, ao menos saibam que estas foram as suas origens, e foram nelas que os seus avoengos se construíram e à qual se orgulharam de pertencer.

PARABÉNS À AUTORA!

Apresentação,
Local: Escola Secundária Camilo Castelo Branco (Vila Real)
Data: 4 de Novembro pelas 21H30
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domingo, 30 de outubro de 2011

Ainda o equilíbrio…


- Esse equilíbrio é demasiado genérico para eu o aceitar – contrapôs o sicrano depois de pensar um pouco. Para mim o equilíbrio nada tem a ver com forças, sejam elas físicas ou emocionais. São antes peças de personalidade, pechas de carácter… talvez até arquétipos judaico-cristãos que não encaixam na natureza de uns tantos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O equilíbrio


A conversa era longa, de dias. Tinha desembocado ali por acaso.
- O que é para ti o equilíbrio? – instou o fulano.
- Forças cujo somatório se anulam – respondeu o seu interlocutor, prontamente, como se estivesse à espera da pergunta.
- Não brinques comigo, não do ponto de vista físico, mas sim do ponto de vista emocional.
- Continua a ser a mesma coisa, meu caro – respondeu em tom amical. – Para mim é a mesmíssima coisa, pode é ser mais difícil de encontrar nesse ponto de vista. Fisicamente falando esse estado pode manter-se indefinidamente, desde que as condições não se alterem. Do ponto de vista emocional é periclitante e momentâneo. As forças podem ser alteradas a todo o momento e, por isso, nem sei se existe. Assim como não sei se a felicidade existe. São ambos estados tão pessoais que variam da perceção do momento.
- A isso chama-se instabilidade - rematou.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ponto de não retorno

Definição de "ponto de não retorno".
Ponto a partir do qual não é possível regressar. Ponto de viagem espacial a partir da qual já não existe combustível para voltar ao ponto de partida. Momento a partir do qual as atitudes até aí tomadas não deixarão de ecoar na nossa vida. Momento a partir do qual as decisões tomadas, ou não, roerão as nossas consciências.

domingo, 23 de outubro de 2011

Bee happy


- Ah!... como seria fácil se me pudesse libertar destas grilhetas sociais, seguir apenas o caminho das pulsões. Como seria libertador não olhar para o lado, entrar simplesmente no nosso mundo, o nosso mundo interior, ignorar os outros e o mundo que construímos com eles. É tentador seguir esse individualismo, mas será possível?
- Carp diem – rematava ele em jeito de resposta.
- Será possível "colher o dia" sem olhar para o futuro? Será possível "colher o dia" sem, conscientemente, esquecer o mundo construído à minha volta? Será possível "colher o momento" e recusar a disciplina em que todos os dias me contruo e que me vai arrastando até ao momento da verdade?

sábado, 15 de outubro de 2011

Convocação das Fúrias

- As Fúrias da “Indignação” ergueram-se. Aqueles sentimentos de animal que habitam no nosso submundo, o submundo dos nossos medos ergueram-se e crescem em sucessão exponencial matemática.
- Ergueram-se ou foram convocadas por constante provocação? - instou o seu interlocutor.
E sem esperar resposta continuou:
- Cuidado! A globalização parece ter chegado, também, a esse canto do Inferno. Do Olimpo, teimam em avançar polícias em vez de sociólogos. Teimam em erguer cassetetes em vez de reconhecer a Razão.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Emerson, Lake and Palmer



Will you stand up or will you freeze
That savage woman make you please
Turn your inside outside in
Still you don't know where she has been
Living sin

(...)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Cuidados de saúde

Todos sobreviveram. Não pelos cuidados médicos, que não tiveram, nem tão pouco pelos cuidados familiares que não existiam, ambos estavam demasiado envolvidos na sobrevivência de todos. A mãe, apesar de meiga e terna, não tinha um minuto livre, nem para lhe limpar os moncos, uma azáfama constante preenchia-lhe o santo dia. O pai, não parava em casa, saía de manhã voltava à noite. Sobreviveram pela rusticidade física herdade geneticamente, mas não pelos cuidados de saúde.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Enfrentando a morte

- Quero morrer em casa – disse ele aos filhos quando se sentiu despedido pelos médicos.
A morte nunca o incomodou. Sempre a aceitou com a normalidade da vida. Era um céptico, o seu desconhecimento nunca lhe impôs outros comportamentos que não fossem os da sua consciência. Queria morrer em casa, queria morrer como morreram os seus ancestrais: rodeado pelos filhos, pedir-lhes perdão por aquilo que fez e que podia ter feito.
Queria encará-la de frente, sem ilusões de viver indefinidamente, encará-la como sempre fez aos homens: com verdade. Olhá-la-ia, sem medo, nos seus olhos infinitamente sapientes, que lhe reconhecia ter. Deixar-se-ia enlevar pelo seu doce relaxe muscular. Caminharia com ela lado a lado, como companheiros de uma viagem, a sua terceira e derradeira viagem, a viagem ao início da noite.
A velocidade da ambulância em que seguia parecia corresponder aos seus desejos. Estava com pressa de saber a verdade, de conhecer a alquimia da vida, o conhecimento autêntico e genuíno. Finalmente ia ter a sua cruzada apocalíptica. Finalmente ia poder saber de onde veio. Finalmente ia entrar no seu mundo onírico e desordenado, o mundo dos seus fantasmas e dos seus medos, um mundo repleto de figuras incriadas e paradoxais que sempre o assaltaram mas que nunca matou, porque sempre as tentou compreender.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

terça-feira, 4 de outubro de 2011

The Who



(...)

I'm Free-I'm free
And freedom tastes of reality,
I'm free-I'm free,
And I'm wating for you to follow me

(...)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Elogio da Loucura

Hoje contactei com alguém que tinha estudado no estrangeiro integrada no "Programa Erasmus" e porque, também hoje, acabei de ler o Elogio da Loucura associei os dois factos e resultou esta estulta ideia:

Habitualmente, quando ouço falar na necessidade de cooperação entre os diferentes Países de Língua Oficial Portuguesa a conversa é sempre a mesma: é necessário criar pontos de cooperação, é necessário estimular o intercâmbio cultural em todas as áreas e, depois, como sempre, as dificuldades financeiras acabam por ter sempre o seu peso, etc. Enfim, é só intenções. As dificuldades são de toda a ordem e as coisas acabam por se arrastar, arrastar ao longo dos anos. E porque é assim, e acredito que essas dificuldades existem mesmo, pergunto (não sei a quem) se faria sentido criar “programas de cooperação” entre alunos dos diferentes países dos PALOP, permitindo, também ele, a mobilidade de estudantes e professores? Programas do género do ERASMUS. Será isto possível? Será que, com os anos, não acabaria por dar pontos de contacto e gerar a tal cooperação que tanto se deseja? Será isto viável, ou não passa de mais uma ideia da estulta filha de “... Plutos gerador único dos homens e dos deuses por muito que custe a Homero, a Hesíodo e ao próprio Jove”, filha essa que não procede “…do Caos, nem do Orco, nem de Saturno, nem de Júpiter, nem de nenhum desses deuses obsoletos e poeirentos.”?

sábado, 24 de setembro de 2011

Homo Pouco Sapiens

E o homo pouco sapiens dizia:
- Não tenhas certezas.
Vacila,
Hesita,
Revisita,
Interpreta.
Sapiência é sobriedade,
Não jactância.
Já conheces toda a verdade?
Olha em redor.
Olha o mundo que temos!
Qual o mundo que queres?

sábado, 17 de setembro de 2011

A Ilha dos Amores

Mil árvores estão ao céu subindo,
Com pomos odoríferos e belos;
A laranja tem um fruito lindo
A cor que tinha Dafne nos cabelos.
Encosta-se no chão que está caindo,
A cidreira com pesos amarelos;
Os fermosos limões ali, cheirando,
Estão virgíneas tetas imitando.


A ilusão faz-nos bem, aproxima-nos da felicidade, mas só aos poetas devia ser revelado o poder do “faz de conta”. Ninguém, mesmo ninguém, deveria possuir o dom de fazer da realidade ilusão e da ilusão realidade. Efectivamente, talvez abrisse mais algumas excepções, às crianças, aos cientistas… e a mais ninguém, mas nunca aos políticos! Deviam viver permanentemente agarrados às grilhetas da realidade, deviam ser obrigados a jurar fidelidade à prudência e nunca lhes devia ser revelada a estultícia da esperança irrealizável.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

GNR



(...)

Efectivamente gosto de aparência
Imponente ou inequívoca
Aparentemente sem moralizar

(...)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Ainda bem que há gente assim

Era tido como um homem irrequieto, um homem que nada o fazia parar, sempre pronto a saber mais, a querer compreender tudo, no fundo, sempre à procura da luz que sabia existir em todas as coisas que o rodeavam. Para muitos era um homem misterioso, talvez até um homem incompreendido tendo em conta os padrões da época.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Gosto...

Gosto de pensar que nos caminhos vivem as almas de quem os calcorreou milhentas vezes, e olhar para a marcas da erosão como sendo as marcas dessas mesmas almas. Gosto de pensar que a pedra quadrada da parede de uma pequena igreja adquiriu o sentir do pedreiro que a talhou. Gosto de ler livros que falam dos caminhos e das pedras que percorro, e que bem conheço. Gosto de pensar que os locais e as coisas adquirem o espírito do tempo. Gosto de olhar para elas e tentar captar essa mesma essência que acredito encerrarem, mas que, em boa verdade, não passam de meras paredes erguidas a quem o tempo geológico não perdoará.

domingo, 28 de agosto de 2011

Banquete dos sentidos

Sirvo o aperitivo e aprecio as formas femininas das fragas. Depois, depois banqueteio-me com o verde servido em diferentes tons e em diferentes formas. Ora são pontos verdes, ora são linhas, ora uma massa informe que sobe e desce indefinidamente. Devoro com sofreguidão néctares que me chegam aos sentidos. Não resisto aos paladares e, sem talheres, sem etiquetas sociais, tudo devoro apressadamente. Depois, empanturrado, corro, corro… corro vertiginosamente monte abaixo e percorro as rugas da gigantesca manta de retalhos que se inicia aos meus pés. Passo acima do alinhado casario que se avista lá ao fundo. Aceno aos transeuntes que olham abismados. Atravesso ribeiros, aprecio a velha ponte de arco romano, toco as copas dos predizentes carvalhos, atravesso lameiros e depois desato a subir. Subo, subo, subo… E a pergunta impõe-se. Aonde nos leva o céu?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

domingo, 14 de agosto de 2011

Mais fundo…


No princípio eram os “Indignados”. No início do verão as televisões não se cansaram de repetir. Era gente anónima a protestar sentado, a fazer lembrar os movimentos de contracultura da década de 60 do século anterior. Agora, de repente, foi a revolta londrina, a surgir do nada, quase espontânea. Mas será espontânea? Não será a outra face da mesma moeda?
Avance a razão, avance a ciência. Dêem dois passos em frente os sociólogos e os psicólogos. Estudem a doença e descubram o vírus, antes que seja tarde. Inquietem-se. Mostrem-nos a verdade.
É preciso ir mais fundo, é necessário Descascar a Cebola, como diz Günter Grass, retirar camada após camada, perceber qual a origem dos sinais. É preciso ir mais fundo e ser capaz de percepcionar os acontecimentos sempre numa perspectiva histórica e sociológica porque, em boa verdade, nada acontece por acaso. É preciso ir mais fundo porque os acontecimentos têm sempre causas. Todos sabemos que à acção corresponde sempre uma reacção de força igual e sentido diferente. Vá-se ao fundo, não se fique apenas pelas imagens das televisões que apenas nos mostram aquilo que gostamos ver.

domingo, 19 de junho de 2011

Pedro Castelhano

QUANDO EU MORRER POR FAVOR APAGA A LUZ...

(...)

Quando eu morrer sem
pátria nem lei, apenas suspenso
na mágoa de não ter sido o que
fui, fita-me de olhos fechados
e indefeso perante a vida.
Mas sorri-me como se
eu ainda não tivesse morrido.

Quando eu morrer hei-de
me lembrar que já morri
em todo os dias que correm
em todos os dias que morrem
e eu morrendo em ti.

(...)

In (RE)CANTOS d'AMAR MORTO

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Copianços

Eu copio
Tu copias
Ele copia
Nós copiamos
Vós copiais
Eles copiam

domingo, 12 de junho de 2011

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Enfeirar

Enfeirar é levantar-se de manhãzinha, colocar gravata a combinar com o fato, e deixar-se conduzir entre abraços e beijos, se calhar pagos, pelas ruas apinhadas de gente.
Enfeirar é deixar de discutir os problemas do país, lançar ideias vagas, não muitas, que o povo não é dado a coisas complicadas, para isso já bonda a vida.
Enfeirar é ter sempre por perto uma câmara de televisão que irá repetir e ampliar as irregularidades do terreno, os tropeções nos lancis do passeio e gravar os risos trocistas de quem assiste.
Enfeirar é…

quarta-feira, 18 de maio de 2011

domingo, 15 de maio de 2011

Jogos

- Quem ganhou o debate? – perguntou o jornalista ao experimentado comentador.
E ele, o comentador, na sua alta capacidade argumentativa, imediatamente encontrou duas ou três razões que justificam a sua escolha. E eu, Zé Povinho, pergunto-me se um debate político se pode reduzir a um jogo de damas. Eu, jovem licenciado, preparado para a vida, preocupado com o meu futuro, pergunto-me que propostas me podem salvar desta aflição. Eu, carregador de albardas, que me sinto injustiçado pela falta de rigor, quero saber qual o limite da irresponsabilidade política. Eu, basbaque, analfabeto, de índex apontado percorro as páginas do dicionário à procura do significado da palavra “mediocridade”.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Pensamento

- Dá-lhe música… - disse o Fulano ao Sicrano.
Eu bem sei que o Fulano não lhe queria dizer isso com um outro sentido. Eu, que o conheço bem, sei perfeitamente que, ao dizer “dá-lhe música…”, queria ajudá-lo-ia a retemperar forças, a exaltar-lhe o espírito, a ajudá-lo a crescer. Mas ele, o Sicrano, não entendeu assim. Ele estava a querer ludibriá-lo, estava a esconder-
-lhe a verdade. Ele não era homem de músicas, era demasiado austero para se perder em folguedos musicais. Morreu assim: ignorante. Nunca percebeu que a verdadeira grandeza vem da mente e não da matéria.

domingo, 1 de maio de 2011

Erga-se…


Quem sabe a direcção do caminho? Erga-se quem não tem dúvidas do objectivo a perseguir. Defina-o. Desenhe-o. Pinte-o. Pinte-o com as cores do País, não com as cores que todos gostamos de ouvir. Pinte-o com as cores do trabalho não com as cores do novo-
-riquismo. Pinte-o com as cores do rigor e não com as cores do facilitismo.
Quem sabe onde há terras a descobrir? Erga-se quem sabe marear e quer verdadeiramente navegar. Não a navegar com terra à vista, navegadores desses já todos foram experimentados. Navegar é navegar em mar aberto, navegar sem ver terra mas ter a certeza que ela existe e é possível lá chegar.
Quem acredita naquilo que pensa? Erga-se quem, verdadeiramente, acredita naquilo que diz, e é capaz de assinar com o seu próprio nome. Não se esconda atrás de aconselhadores de imagem, de sondagens, de inverdades repetidas incessantemente que correm o risco de tornar verdades. Já conhecemos esses truques…
Erga-se… Nós segui-lo-emos.

domingo, 17 de abril de 2011

A terra dos sonhos



Ouvi hoje pela primeira vez este som.
Não é deste mundo, é do mundo dos deuses. Talvez seja o verdadeiro som dos silêncios, da poesia sem palavra. É o som da nossa ancestralidade, o som que canta a delicadeza da rosa, que penetra no nosso poço fundo e escuro e, sem sabermos porquê e ainda bem, transporta-nos para terras distantes, verdejantes, envoltas numa neblina mística, uma terra de fadas e castelos, de unicórnios e cavalos alados, uma terra onde a razão dura, e a dura razão, dos dias que hoje vivemos não fazem sentido.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

84, Charing Cross Road


Avaliar o talento é só para alguns, não para mim. O sentido estético é relativo, os valores são subjectivas, as sensibilidades diferentes… Por tudo isso sinto-me incapaz de julgar as aptidões dos outros. E, pelas mesmas razões considero-me inábil para dar conselhos, é-me penoso fazer a apologia desta ou daquela obra, deste ou daquele ponto de vista.
Posto este preâmbulo, e sempre com as devidas ressalvas, atrevo-
-me a dizer que a obra 84 Charing Cross Road, a ser publicado brevemente em português, com a chancela da Lema d´Origem, é o mais belo romance de amor pelos livros que alguma vez li. Não é um livro com discursos psicológicos a apelar à leitura, não é um livro de especialistas a analisar o esteticismo do autor à luz das verdades estilísticas estudados, nem tão pouco um precioso discurso de um exegeta a esquadrinhar o pensamento do artista. Não há ciência nesta obra, há simplesmente sentimentos.
O 84 Charing Cross Road são cartas, cartas simples entre uma escritora americana e um livreiro Inglês que nunca se viram, que amam profundamente os livros e, contido nesse amor casto que ambos nutrem por esse objecto parece querer germinar um outro também misteriosamente platónico.

Sons do Tempo - 6

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Derrubar muros



Vi construir muros e vi derrubá-los. Vi paredes a serem erguidas, pedra sobre pedra, e vi blocos, simbolicamente,a serem destruídos.
Alguns slogans mudaram, os murais também, mas os muros continuam a suportá-los. O conceito permanece intacto.
The show must go one

sábado, 26 de março de 2011

Postulados éticos

Quem ouvisse os seus discursos ficava arrebatado pelas ideias elevadas que defendia. O discurso era fluente, embora repetitivo. Nada de hesitações na escolha das palavras, embora fossem sempre as mesmas. Nenhum conceito era mal delineado, embora já soassem a vazios. Nenhuma verdade defendida era inumana, embora causassem dano. Nenhuma alegação era politicamente incorrecta, embora nenhuma delas fosse verdadeiramente patriótica. Nenhum postulado ético enumerado merecia reparo, embora nunca os pusesse em prática.

sábado, 12 de março de 2011

É carnaval ninguém leva a mal

Os folguedos saturninos continuam.
Este ano as máscaras de renda foram postas de lado. Ninguém se esconde, todos se conhecem. Não vale a pena disfarçar os trejeitos nem adelgaçar a voz.
O enterro, em folias desmedidas, sobe a rua empedrada. De onde em onde, nos ajuntouros, param, riem, pregam-se partidas uns aos outros, lançam-se farinha, esguicham água, enfurretam quem passa. O padre sacrílego, na frente do cortejo, vai revelando as fraquezas e os pecados ocultos durante todo o ano. Na praça voltam a parar, fingem um parto difícil, a criança finalmente nasce, ninguém é poupado. As folias continuam na Rua de Trás. A inversão das coisas atinge o clímax. O morto, num estertor de morte, levanta-se e grita…

quarta-feira, 9 de março de 2011

Phil Collins



Em jeito de homenagem a um homem criativo que agora se retira dos palcos.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Notícia de Jornal

Este ano os deuses reuniram-se, mais uma vez, no Monte Hollympowood. Divinamente vestidos, cintilantes como estrelas posaram para as máquinas fotográficas, passearam-se em passadeiras vermelhas e acenaram aos humanos que acorreram ao local em grande número.
Tanto quanto se pode apurar na agenda havia um único ponto a discutir: o auto-endeusamento.
Tudo leva a crer que ao longo do ano a deificação continuará. Neste momento, as revistas cor-de-rosa rezam em todas as páginas, especialmente em notas de rodapé, para que muitos deles caiam em desgraça porque só assim sobreviverão.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Inimigos

O Daniel, deitado no sofá, de olhos fechados ia desfiando palavras, sem nexo, sem lhe achar qualquer valor terapêutico. Não entendia o significado de tão incómoda terapia. O psicanalista permanecia imóvel no seu velho cadeirão, mal se dava pela sua presença.
- Tem inimigos? – instou o médico, de repente, sem que nada o fizesse esperar.
- Não! - respondeu o Daniel um pouco abismado pela pergunta descabida.
- Abra os olhos – ordenou o médico.
Ele obedeceu. Pode dizer-se que se assustou, talvez um susto de incredulidade, mas era um susto. Abanou a cabeça e fechou e abriu os olhos novamente para ter a certeza que não estava a sonhar. Nunca esperaria ver a sua própria imagem reflectida no espelho que o médico agora segurava.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Calcinatio

Tinha medo de saltar a fogueira. Aquelas labaredas a desafiar a lei da gravidade, a erguerem-se para os céus, aterrorizavam-no e toldavam-lhe a razão. Aquela miríade de lumaréus a subirem misteriosamente fascinavam-no, surgiam-lhe como sendo almas a libertarem-se desta dimensão terrena. Naqueles momentos de arroubo, um qualquer ente libertava-se do seu ser, provavelmente celta, e ele ficava, longamente, a fitar a fogueira que continuava a engrossar a todos os minutos que passavam.
De repente enchia-se de coragem e desatava a correr. A respiração acelerava, as labaredas aproximavam-se, o fumo do futuro era cada vez mais denso, mas, corajosamente saltava, nada o podia fazer parar. Quando aterrava do outro lado todos os medos tinham sido mortos, aquela chama de raiva que minutos antes o consumia, deu lugar à luz da chama sulfurosa e regeneradora. As fúrias evaporaram-se, os desejos foram renovados, as frustrações desapareceram.
No rescaldo interior acabou por se encontrar.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sabedoria

- Convençam-me! Mostrem-me a caverna da sua sabedoria – ordenou.
E esperava o ministro que lhe mostrassem o esplendor do nada, que lhe descrevessem as paisagens do seu ser, os seu tédios, as suas crenças. Esperava que lhe contassem a harmonia dos seus silêncios, os seus sonhos, todas as suas venturas e desventuras. Esperava ouvir um poema, um estado de alma, uma confissão por absurda que fosse. Esperava, no fundo, que lhe apresentassem razões de uma certa humanidade tão necessária ao cargo.
E o seu assessor, nomeado propositadamente para avaliar os candidatos, e sem perceber, lia a lista infindável dos cursos frequentados, os valores conseguidos, os graus obtidos… Salomão, ao seu lado, não passava de monte áspero e inculto.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Qual força?

“Qual força?”, questionava-se ele. “Que significado devo assumir como correcto?”. “Que força devo usar?”.
Era nestas abstracções que o João matutava. Tinham-no aconselhado a usar a “força” ao longo do caminho. E ele caminhava cabisbaixo, pensativo, abstraído, como se nada o circundasse, como se apenas o seu “mundo interior” valesse a pena viver. Na busca da sua razão não tinha formulado hipóteses, nem deduzido previsões lógicas. Não seguia nenhum método científico, com experiências a justificar os resultados, já tinha desistido, seguia o seu instinto. Parecia-lhe, apenas, impossível tropeçar nessa resposta através da dimensão corporal, parecia-lhe, simplesmente, que a resposta teria que a encontrar não na dimensão linear do corpo, mas no volume do seu “Eu” e, silenciosamente, concluía: não é com a força física que se sobe mais um degrau no conhecimento. Não é com a força militar que se caminha em direcção à harmonia.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Guerra do Ultramar


Para que nada se repita, e porque é preciso preservar e divulgar a memória de um tempo recente.
Participe!

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

domingo, 30 de janeiro de 2011

Beleza

- Que a beleza a decore – dizia o mestre ao aluno quando este, na sua inocência, se propunha elaborar a obra de suprema beleza, aquela que o libertaria das garras da morte.
E o aprendiz, agarrado ao plano horizontal que o papel definia na superfície da mesa, apenas com comprimento e largura, fazia esboços e mais esboços, procurava com toda a sua força intelectual e física convencer o mestre da inevitabilidade da sua razão.
O mestre olhava-o com admiração, seguia-lhe o pensamento, acenava nas entoações de voz, encrespava a testa quando não o entendia ou lhe parecia que as palavras eram pobres para explicar a beleza de tal conceito.
Não o desiludiria. Nunca lhe diria, como a ele lhe disseram que “...a obra perfeita é aquela que não se acaba”. Deixá-lo-ia sonhar, deixá-
-lo-ia construir-se com as pedras da utopia.

sábado, 22 de janeiro de 2011

A minha liberdade

Dou como assumido e verdadeiro que a “minha liberdade termina quando começa a dos outros”. Ou então, ainda de uma forma mais exacta, que o “cumprimento das leis é a máxima liberdade”, e é nessas baias que procuro marcar a minha existência mundana. Mas há uma outra liberdade que me interessa mais: a liberdade de pensamento. Aquela liberdade que nos leva ao nosso cerne interior, ao âmago da nossa alma, ao núcleo da nossa humanidade e nos permite ir mais além, ver mais claro, decidir melhor, dissipar o nevoeiro que todos os dias se forma à nossa volta, destruir as grilhetas da ignorância que nos agarram a esta realidade material.
Tomara que toda a Humanidade possuísse essa arma de destruição e libertação.
É nessa centelha de vida que habita em cada um de nós que me coloco. É nesse lampejo, que não se define em palavras, mas se calhar na arte, que nascem todas as outras liberdades, estejam elas em que plano estiverem. É desse clarão químico, alquímico, divino, dependerá posição que cada um de nós adquire, que falo. Sei, simplesmente, que é a ele que recorro, é nele que deposito os meus sonhos, sei que é dele que brota esta manipulação de palavras que me parece adquirirem nexo quando lidas em conjunto.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O silêncio do velho jarreta

Tomo nota. É uma verdade agora descoberta, exactamente agora: quanto mais desço em mim, menos relevância adquire o mundo externo. Esta é a verdade dualística que me acompanha desde sempre, e que, diariamente me obriga a decidir.
Nesta bifurcação perene, já não sei se hei-de voltar a entrar no nevoeiro da minha antemanhã distante, e que todos os dias se revela um pouco, ou se, por outro lado, devo seguir a esperança no futuro, onde não vislumbro uma linha de rumo, onde apenas vejo barcaças a navegar à vista, onde o valor das coisas já não é o que aprendi.
Não me entendo, não entendo o mundo.
Cruzo os braços, regresso a mim.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Sons do Tempo - 6




Deixa-me trazer-te as canções da floresta:
para te sentires muito melhor, mais do que podes saber
Cheio de Poeira, dos pés à cabeça.
Mostro-te como o jardim cresce.
Segure firme, vê como vai.
Junta-te ao coro, se puderes:
Ele vai fazer de ti um homem honesto.
Deixa-me trazer-te o amor do campo:
Papoilas vermelhas e rosas cheias de chuva de verão.
Para curar a ferida e a dor
que te ameaça novamente
Enquanto se arrasta a travessa em todos os amantes
A Celebração longo da vida é aqui.
Eu vou brindar a todos num elogio fraco.
Deixa-me trazer-te todas as coisas refinadas:
Canções de luto servidas em cerveja resfrescante.
Cumprimentos por encontrares o colega granizo!
Eu sou o vento para encher a tua vela.
Eu sou a cruz para fixar o seu prego:
Um cantor desses tempos imutáveis.
Com prosa de cozinha e rimas de sarjeta.
Canções da floresta fazem sentir-te muito melhor.

sábado, 8 de janeiro de 2011

O que me dizem as coisas

Desço a rua silenciosa, húmida, as casas comprimidas vão-se sucedendo, as varandas opostas quase se tocam. Imediatamente brota em mim uma corrente de impressões, leves, tão leves que só tomo consciência delas mais tarde, depois de sair do aperto da rua e entrar na largueza da praça. Entretanto, e sem dar por ela, vivi. Embevecido pelas formas, pelos ângulos, pelas gentes que nela circulam, pelos rostos antigos que me falam, que me respondem e me questionam, pelas plantas, e não só, que apenas vegetam, por tudo isso sonhei vidas através de um diálogo mudo e contínuo que não me cansa.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A crise

- Nada convém que se repita,
Dizia o velho jarreta.
Da crise?
Nem me atrevo!
Deixo o silêncio entrar.