- Quero morrer em casa – disse ele aos filhos quando se sentiu despedido pelos médicos.
A morte nunca o incomodou. Sempre a aceitou com a normalidade da vida. Era um céptico, o seu desconhecimento nunca lhe impôs outros comportamentos que não fossem os da sua consciência. Queria morrer em casa, queria morrer como morreram os seus ancestrais: rodeado pelos filhos, pedir-lhes perdão por aquilo que fez e que podia ter feito.
Queria encará-la de frente, sem ilusões de viver indefinidamente, encará-la como sempre fez aos homens: com verdade. Olhá-la-ia, sem medo, nos seus olhos infinitamente sapientes, que lhe reconhecia ter. Deixar-se-ia enlevar pelo seu doce relaxe muscular. Caminharia com ela lado a lado, como companheiros de uma viagem, a sua terceira e derradeira viagem, a viagem ao início da noite.
A velocidade da ambulância em que seguia parecia corresponder aos seus desejos. Estava com pressa de saber a verdade, de conhecer a alquimia da vida, o conhecimento autêntico e genuíno. Finalmente ia ter a sua cruzada apocalíptica. Finalmente ia poder saber de onde veio. Finalmente ia entrar no seu mundo onírico e desordenado, o mundo dos seus fantasmas e dos seus medos, um mundo repleto de figuras incriadas e paradoxais que sempre o assaltaram mas que nunca matou, porque sempre as tentou compreender.
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
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