quinta-feira, 31 de maio de 2012

Viagens

Depois vieram as fragas, perenes, não existiam, mas estavam, altaneiras, com presunção de serem Colunas de Hércules, estavam como sentinelas serviçais do tempo do qual também não se libertavam. Ali continuavam a ladear os caminhos que agora percorria a pé, de passo apressado, a querer chegar antes da Noite. Por eles tinha ido, por eles regressava, também eles fiéis a nada. Só ele se tinha transfigurado, reconhecia-os simplesmente, percorria-os mais preso que nunca. Continuava degredado, preso à forca do seu estoicismo de conhecer.

AC/DC

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Às avessas

Sou o avesso do mundo. Ele todos os dias se revela eu sonho com a revelação. Nele há sabedoria em mim ignorância, nele há certezas eu só tenho dúvidas... Ele nada exige, transforma-se, cria, adapta-se, eu desejo o impossível, dele brotam fontes de mim insatisfação insatisfeita. Nele os dias sucedem às noites, em mim sucedem-se as incoerências metafísicas incompreensíveis.
Ele tem forma, eu sou uma estrada poeirenta e informe de memórias;
Ele faz sentido, eu não;
Ele é mensurável, eu insubsistente;
Ele não tem medo da Noite, eu tenho;
Ele tem História, eu sou o esquecimento;
Ele não sente, eu sinto;
Ele amanhã existe, eu sou um epitáfio da inexistência;
Ele nasceu, eu caí na morte.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Há pressa em mim

Há pressa em mim. Os dias brandos e calmos são uma ficção, um engano de mim, um prozac. Em mim o tempo corre depressa, esvai-
-se na metamorfose constante daquilo que nunca fui, na resignação do desassossego que nunca terei, escoa-se vertiginosamente nos incontáveis sentires do ponteiro dos segundos, nos pensamentos não pensados, nas palavras que ficaram por dizer, na consciência daquilo que não sei.
Em mim o tempo embarca constantemente nas lendas do sonho, navega num navio à deriva, sem leme nem âncora. Flutua sózinho, guia-se pelas nuvens e as estrelas, sem terra à vista, com um timoneiro falhado, incapaz de alcançar o horizonte perdido.
Tenho pressa ingénita em mim. Os dias calmos são um fingimento da minha inexistência, a abstração da minha razão, são a mudez do amanhã.
Em mim o tempo adormece logo acima da minha cabeça, vive na prateleira dos livros que sei não conseguir ler, apesar de os ter comprado.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A mãe do desgosto

Lá fora está frio, vou para dentro. Subo a escada de mim, pressinto um novo ataque. Antecipo-me e adianto as palavras. Preparo o assalto à loucura da incompreensibilidade.
Salto da minha trincheira e corro na terra de ninguém. Desafio a vida, persigo a morte, tropeço no pecado original, caio, reparo que há muito estou na cova por mim escavada, dessubstancio-me, retiro o essêncial de mim e verifico que o sol não brilha.
Fico imóvel, oiço vozes dos mundos lá de fora: gritos de guerras angélicas, choros prepotentes de fome, todos eles uniformemente audíveis como se não houvesse distância nem espaço, como se o vazio da loucura imperasse. A cabeça estala, dou uivos na eternidade, pontapeio o absoluto, abençoo o relativo.
Franqueio as portas do asilo e entro nele. Choro lágrimas de riso que não tenho.
A simplicidade da vida, feita complexa, pesa-me.

Eric Clapton

domingo, 27 de maio de 2012

Novamente o barqueiro do Hades

- Conseguiste chegar à outra margem, excelso Caronte?
- Eu não! Continuo atado a esta massa corporal. Mantenho este ofício de talhante, continuo a esquartejar-me em pedaços, sentado, estático. Continuo a arrepiar-me com os frios que nascem nas palavras que procuro, nos posters fora de moda que perduram nas paredes e me recordam um outro eu, continuo a minha busca nos livros que leio, ilustre barqueiro.
Leva-me! Não possuo óbulo para pagamento, eu sei, pagarte-ei na mesma. Serei o teu homem do leme, o meu último sopro de vida será o vento que guiará a tua magnífica carga à outra margem, a minha pele será a vela latina que suportará os ventos mais fortes, dos meus nervos construirás enxárcias, com o meu esqueleto repararás o cavername da tua velha barcaça.
Leva-me...

sábado, 26 de maio de 2012

Hoje quero sensações

Embrulhados no meu silêncio chegam-me sons regulares de vida lá fora que, por momentos, me diluem o som do mantra musical que agora oiço. Pesa-me este frenesim exterior que por indução parassimpática me leva igualmente em movimentos abstratos de mim. Dói-me esta interioridade, este mundo falso que em mim vegeta.
Fujo do silêncio e vou a correr à janela para regressar quase de imediato.
O silêncio rítmico, entorpecedor, dos sons mantém-se e induzem-me por canais de abandono de outro tempo, levam-me por sentires de desolação por aquilo que não sou, encaminham-me para os sons místicos de Shiva viventes em mim.
Evaporo-me, metamorfoseio-me, afundo-me no oceano das palavras à procura daquilo que sinto e o fracasso é óbvio. Torna-se-me evidente que é impossível traduzir em palavras a imaterialidade das sensações da alma humana.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Ajustes

As minhas emoções vejo-as como heras, trepadeiras que se enleiam em mim, que me tomam, me estrangulam e me conduzem as estádios de dor não sentida mas que sinto como real.
Não sei descreve-las de melhor forma, é tudo muito complexo, os sentimentos que daí brotam tornam-me melancolicamente instável. Nesse estado de alma, se é que assim lhe posso chamar, as impressões da paisagem, as gentes que vejo na rua, tudo me parece irreal, são apenas sombras que se cruzam no meu caminho, pairam na minha consciência como se não passassem de leves impressões da minha realidade doentia, imagens de espelhos por mim distorcidas. Dir-se-ía serem elementos etéreos deste inferno em mim aprisionado.
No entanto, dias há em que me surgem ajustes construídos através de um recolhimento harmónico interior, também ele complexo e nunca adestrado. Aí chegado, parecem-me antes peças de uma roupagem que não dispenso. São antes regaços maternos de um sentir que me aquecem em dias de frio e me refrescam em dias de calor.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Deff Leppard


Andarilhanças de mim

Andei léguas e léguas no pensamento à procura de salvação desta alma sempre perturbada. Caminhei na lama, estilhacei a vidraça de mim mesmo e afoito combati os “moínhos de vento” que sempre me perturbaram, dessa forma fui criando o mundo à minha imagem e semelhança. Desfiz preconceitos, questionei dogmas, interpretei a genealogia dos ideais, do bem e do mal, menti-me e, já na orla de mim, vi nascer a aurora. Seguia! Na luz translúcida dessa manhã vi nascer a esperança há muito tempo perdida. Renovei a fé em mim mesmo, subi ao cimo do monte e peregrinei mais fundo, entrei nos vales do nada, nas sombras da inexistência, crente que para lá do escuridão a luz renovar-se-ia.
De nada me valeu! De tanto pensar estilhacei a luz. Continuo a suportar o peso do nada. Hoje tudo está ainda mais triste, continuo a querer tudo, mesmo aquilo que não posso ter, provavelmente ainda não atingi o limiar, a fronteira do verdadeiro conhecimento ainda está longe.
Continuo...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Maciez

Apenas nas horas de sono da minha interioridade encontro maciez. Com este olhar vazio sobre as coisas nada me amacia o sentir. Talvez seja o não saber para onde vou, o não saber de mim, o não saber quem sou, talvez estas incompetêncais pessoais sejam as verdadeiras causas.
Há nesta encruzilhada de mim reflexos de uma certa humanidade incompreensíveis, sei bem disso, mas esta compulsão primária, talvez seja o nome correto, inculcada não sei se por Deus se pelo Diabo, leva-me a uma busca constante de promessas de felicidade, que sei bem não existirem. Teimo nelas diariamente, percorro os campos em busca do trevo de quatro folhas e apenas encontro venenos subtis que recorto nos cantos mais recônditos da minha escuridão.
Vale-me este esconderijo de escrever, de errar pelas palavras aladas, pelas matáforas sucessivas, onde me exponho e me humilho constantemente, mas que me nascem do nada, sem nunca as ter regado convenientemente.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Ser-se...

Ser-se é estar só. Abdicar. Abdicar do mundo exterior, repousar no remanso patoril do silêncio e viajar pela serenidade incompreensível que um fim de tarde nos trasmite. Existir é sentir! Repousar à sombra de nós, madrugar, sonhar, arrancar os jardins botânicos, sempre alinhados, que cresceram pelas palavras ocas, pela voz, pelo olhar, pela vaidade mundana, e deixarmo-nos levar pela frescura dos riachos selvagens ou morrer no calor abrasador de um deserto inexplorado.
Ser-se é deixar passar horas do dia a escutar o barulho da incompreensão do inexplicável, permitindo que o latejar desenfreado das emoções tome asas sem peias. Depois, já pela noite dentro, é pernoitar na moita das sistematizações, a construir e reconstruir o universo continuamente, ou, então, deixar-se embalar nos claustros da inutilidade dos pensamentos e adormecer acordado.

Iron Maiden

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Deixem-me...

As piores horas são as da noite, estimula-me a alma. A noite carrega com ela um certo fluido de contradições e certezas que me angustiam, me magoam e me levam ao desespero. A noite obriga-me sempre a olhar para mim como se apenas eu existisse. Na noite há apenas esperança na inquietude e na descrença que, habitualmente, perdura até madrugada. É um lobo faminto que me devora, devora-
-me o conhecido e deixa-me apenas o esqueleto de mim, deixa-me entregue ao desconhecido, à finitude do tempo, aos males que me apertam as goelas, aos tumores que crescem em mim sem dor. Leve o diabo a noite e a vida, dispenso ambas.
Dispenso tudo. Quero desistir, não quero mais sentir, amputem-me os nervos, anestesiem-me, quero partir sózinho, caminhar, seguir o cabo das tormentas, quero alhear-me, quero ser ignorado, não quero escutar ninguém... Não peço compaixão, apenas que compreendam este sentir amargo que não me larga e me corrói. Deixem-me! Deixem de me cochichar, de me olhar como louco.
Já não sou eu, eu sei, sou reles, desprezível, repugnante, torpe... tal como vós, mas não me perguntem nada, não me perguntem o que tenho. Não tenho nada, não sei explicar-me.
Quero apenas respirar!
Deixem-me...
Por favor, deixem-me...

domingo, 20 de maio de 2012

Cenotáfio

Às vezes, nos papéis amarelentos que guardo religiosamento, descubro coisas escritas num outro tempo. Poemas, pensamentos, cartas que nunca enviei a ninguém e que guardo na mísera bagagem da minha materialidade.
Relei-os sempre, não sei porquê, acho que procuro neles reencontros de mim, códigos postais de outras existências, direções há muito tempo apartadas desta minha busca, que já sinto em carne viva. Neles descubro indícios de levantamentos populares dos meus sentires autistas, manifestações proíbidas que não me atrevo o contar, motins de mim próprio que sempre foram reprimidos. Nunca ninguém os lerá, morrerão comigo, sepultá-los-ei. Enterrá-los-ei com as devidas exéquias ritualísticas, que não deixarei de cumprir.
Guardá-los-ei não sei até quando, talvez até sentir que já não são meus, até achar que já não são os meus alicerces, até achar que já não são os fios que me guiaram, ou me manobraram, não sei bem, durante muito tempo. Guardá-los-ei até achar que já não são a minha genealogia.
Nada valem! Não passam de constatações óbvias, são bárbaros, roupagens pré-históricas de mim, mas, mesmo assim, não deixam de ser pestanejares sobre e minha existência, não deixam de existir palavras, apesar de ocas, sem miolo, deste reino ao qual gosto de pertencer.
Não deixam de ser nevoeiros sombrios de uma existência que, apesar de tudo, foi feliz.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Anticlépsidra

O comboio já partiu, cheguei tarde à estação. Olho em redor e saboreio o tempo chuvoso que se abateu na cidade deserta e que, melancolicamente, parece condensar-se ali, naquele instante.“Dez segundo antes e tudo seria diferente”, pensei. Passeio no cais e olho o tempo, o tempo divido em fracções de segundo, o tempo que os mortais contam.
Cismático, à procura de razões deste ressentimento em mim, orgânico, infindável, descubro um outro tempo, inexplicável, doloroso, que me aperta a alma, que não esquece mas que aviva memórias, que não me aproxima mas que me afasta do Destino, um outro que me conduz à beleza insondável da imaterialidade das coisas.
Enquanto espero pelo próximo sento-me. Aumento o caudal silêncioso, como quem roda o botão do volume do rádio. Errante, iludido corro atrás desse sopro de ânsia como se nele existisse o elixir da juventude e, aterrado de alegria, estanco. Nele descubro outros caminhos, rios que correm em sentido ascendente e me levam à necrópole do desatino, à mágica clépsidra que corre em sentido contrário, nele descubro a loucura, um vislumbre daquilo que sou.

Nirvana

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Movimentos pendulares

Em mim não há coerência, nem certezas. Vivo na região das incógnitas, no lugar do desassossego, na rua do devaneio. Não sei quem sou porque passo a vida a fugir de mim! Não há espelho capaz de me refletir. Este não sou eu, eu sou o outro, aquele que não existe, aquele que ninguém vê e que ninguém deseja conhecer. Eu sou o passado inexistente, a brisa matinal que se alimenta dos sentires do coração, o louco que ouve vozes distantes, que inspira saudades e expira ausências, que bebe diariamente nas fontes das emoções. Eu sou o desejo inflamado, a vontade de libertação, o incapaz de ser, a prisão de mim, a insciência da razão.
Não sei quem sou, não passo de intermitências de luz e sombra, o plano inclinado da verdade, o movimento oscilatório entre sono e sonho.
Não sei o que sinto. Oscilo entre o bem e mal, o amor e o ódio, o ódio que sinto por mim, não pelos outros.
Eu sou o paradigma da ilusão.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Passeios

Passeio novamente em mim. Na bagagem levo o bem e o mal, a culpa e a não-culpa, o débito e o crédito. Caminho devagar, pausadamente, com a mão toco a folhagem para acreditar que não sonho, descubro memórias perdidas, paisagens vazias, abismos de mim e de nós. Debruço-me sobre a amurada. Medito! Acendo a luz. Perscruto o “nada”: a génese de tudo. Abismado, assisto a reinterpretações de mim e do mundo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Amanhã

Prometo! Amanhã vou levantar-me cedo. Quero ouvir a madrugada que há muito não sou. Possuir o ar fresco, inspirar fundo, arejar as cavernas bafientas desta lentidão do tempo, deixar orvalhar as dores da inexistência, retesar os sentidos com as cores desmanchadas da manhã que me hão de ferir a vista, me hão de fazer sentir que existo e aromatizar esta incapacidade de ser.
Amanhã vou alterar a minha percepção sensorial, vou deixar polarizar os nervos com os sons da manhã e embededar-me de luz amarga, prometo.
Amanhã! O amanhã é sempre o melhor dia! O amanhã, é real, existe verdadeiramente! Amanhã posso voltar a debruçar-me sobre este poço abismal, voltar a iludir-me com o movimento ondulante das searas de sentimentos, amanhã posso pedir inspiração à madrugada, aos deuses, à natureza, às musas.
No amanhã há esperança, não há entardeceres nem poentes, só ilusão. A ilusão é boa e real, faz girar o mundo.
Amanhã resolverei os meus problemas existênciais.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Him

Desconstruções

Neste mar agitado, definitivamente instalado, neste silêncio que me cobre, bóiam tristezas indizíveis, fermentam sentimentos, nascem emoções. Há em mim uma inacção corpórea e uma agitação mental perturbadora. Destruo-me, sei que me destruo, conscientemente. Desconstruo todo este edifício, como quem derruba uma parede, como quem quebra uma corrente, como quem quer ver o mundo de outra forma.
Neste mar de silêncio medito em mim e no mundo, instalam-se-me dúvidas, nascem-me certezas, desenrolo-me em deambulações de supor que me obnubilam a consciência mas que me objectivam enganos e desenganos.
Acordo com o toque do telefone, desenlaço-me dos sentires e regresso à calma...

domingo, 13 de maio de 2012

Aqui chegado...

Quase de forma distraída, caminhei, errei neste deserto de mim durante longas horas e, passo a passo, a dor do fingimento foi encontrando eco nas cordas melodiosas das palavras. Eu, inocente, como sempre, acreditei que o fardo que carrego me fosse libertando automaticamente desta hipersensibilidade doentia. A busca da minha razão, fim último da verdadeira existência, havia de me mostrar a verdadeira dimensão das Coisas e o meu sossego, finalmente, seria merecido. A minha Índia estava depois da próxima tempestade, estava nas brumas do passado, a minha Terra Prometida estava ali, estava mesmo ao virar da próxima duna, do próximo pensamento, acreditava eu, já sentia o cheiro a amor e mel, a beleza dos palmares, a suavidade do oásis em campo desértico.
Enganei-me!
Não vejo o vale verdejante, continuo errante, não há Terra Prometida, tudo não passa de uma miragem, só o meu sonho é real.
Sozinho, sempre sozinho, sigo-o...

sábado, 12 de maio de 2012

Paisagens de mim

Hoje, folheio paisagens irreais em mim habitadas. Procuro senti-las, interpretá-las, lê-las em sequência, classificá-las, fazer delas capítulos deste livro inacabado que pagino nas horas de tédio, nas horas de inação e angústia. Desnudo-as, visto-as, reflito nelas silentemente à procura de uma corrente comum a todas, mas não consigo agrupá-las, definir as reais das irreais, as verdadeiras das falsas, as sonhadas da dos sonhos. Missão impossível! Surgem-
-me num emaranhado onírico de saudade de mim de onde não vislumbro saída.
Surgem falsas, inúteis, mas, apesar disso, não consigo desfazer-me delas, sinto-me incapaz de as deitar fora, de as arrumar definitavamente neste sótão poeirento da inexistência. Estremeço com elas, amontoam-se-me à flor da pele e, como que para as materializar, vou a correr para os papéis amarelentos que acumulo no canto da sala e de mim, já amarfanhados pelos sentidos, rasgados pelo tempo, bafientos pelas emoções neles acumuladas.
Releio-os, vejo rabiscos, sublinhados, setas a assinalar importância, como sempre gostei da fazer, mas nada me parece verdadeiramente meu. Não me reconheço nesses sinais inocentes, nessas substâncias de outras cavernas de mim.
Não identifico de quem eram, doem-me simplesmente.
Resta-me continuar a sonhar.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Soudgarden



In my eyes, indisposed
In disguises no one knows
Hides the face, lies the snake
The sun in my disgrace
Boiling heat, summer stench
'Neath the black the sky looks dead
Call my name through the cream
And I'll hear you scream again
(...)

À janela

Gostava de me contentar com o que me é dado. De ver simplesmente, de escutar, e nunca plantar a mente em outras paragens. Nunca ir alimentar a alma a outras pastagens, a outros recantos (grande parte das vezes escuros), à procura do nada, de sentir apenas, de encontrar outro sentido que não a mera monotonia de existir.
Gostava de não saber saltar para o campo da ilusão. Gostava de não saber ler, porque ler é sonhar, de não saber ver nem ouvir, porque os sons têm asas, de passar pelas vielas da vida numa preguiça de café, na conversa inútil, na arrogância da grandeza simbólica, deixar-me correr na sequência dos dias, existir apenas, tal como existem os montes, as pedras, os animais... e nunca confundir a realidade e o sonho.
Gostava que, uma vez postado à minha janela, visse apenas para um dos lados: o exterior.
Gostava de saber esperar... Saber esperar que o dia decorra, que a luz se extinga e com ela eu adormeça.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Céu...

Céu... Hoje embebedei-me de ti. Hoje senti-te, mesmo sem falares senti-te, todos os insanáveis mistérios que encerras se me acumularam. Hoje não tive olhos para te olhar, nem ouvidos para te escutar, hoje concebi-te em mim. Nessa milagrosa conceção percorro as palavras para te dizer. Ocorrem-me símbolos, sensações, sentimentos mas todos são imperfeitos. Sinto-te, e isso basta-me. Sei que existes porque te concebo no amargoso recanto da inexistente perfeição. Concebo-te na infinitude do vazio, na margem serena da contemplação e sempre a montante do silêncio.
Céu... Hoje na harmonia azul que me deste, provavelmente imerecida, chorei por nada possuir para te oferecer. Elevei-me em ti, eu sei, e eu, agnóstico, inconformado penitente, mendigo, descrente de mim mesmo e sem verbo capaz, nada posso fazer por ti.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ermo sou eu

Ermo é o mundo. Em mim há cansaço. Cansaço deste sono acordado, desta realidade desértica que me rodeia, desta vontade de ser eu. Em mim há cansaço de mim mesmo, desta busca de sonetos inexistentes, deste enredo kafkiano em mim instalado que não pedi a ninguém. Em mim há reconstruções falhadas, mecanismos químicos imperfeitos, recordações devolvidas em forma de ignorância que me entontecem pela sua transparência.
Ermo sou eu. No mundo há razões inconcebíveis, dúvidas que são certezas, névoas que são sombras. No mundo há noites feitas de luz, processos inquisitórios, conclusões cruelmente simplistas, flores sem cor, alegrias magoadas... no mundo há substâncias deste caminho divergente que teimo em perseguir.
No mundo há destino!?
Não!
Há de ser como eu quiser.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Alice Cooper

Descida ao meu inferno

Convivo mal comigo, não com os outros. Este conhecimento infinitamentamente pequeno que se encerra e mim, fecha-me nesta prisão de descrença no que vejo e sinto. Corre-me nas veias, é-me impossível fugir a estas catacumbas desta minha frieza também humana. Esta amargura de mendigo leva-me de sentir em sentir, de sonho em sonho, de pensamento em pensamento, à procura de um abrigo, em busca de manhãs vestidas de memórias de outras vidas que abstratamente vivo.
Já nem falo. Há tédio nas palavras que digo e oiço. Abrem-me janelas para a terrível porta dos sonhos, para o tenebroso mundo das fadas do lar, para o ardente mundo cor-de-rosa cheio de vulgaridades misteriosas que não entendo.
Encerro-me! Tranco-me neste universo de sóis apagados por forças iníquas que existem em mim, não nos outros. Fujo! Fujo de mim e dos outros pelo silêncio da acústica dos sons que me abrem fenestras para clarões de inocência ignota.
Enquanto espero pelo sol esquivo-me para o mundo ardente das emoções.

sábado, 5 de maio de 2012

Oração à morte

Salvé, imaculada e incompreendida inexistência que hoje chegas até mim.
Sei de onde vens mas não sei onde estás. Eu já existi em ti, já me aconcheguei no teu útero, mas não te conheço. Conheço-te de um tempo desconhecido, do tempo em que não fui e ao qual brevemente voltarei.
Tu, aconchegante frialdade, existes serenamente nesta renúncia de mim. Tu és o meu lado obscuro, aquele que não tem luz mas que ilumina. És o desejo profundo, e são, de me olvidar de tudo, a dimensão real que não conhece formas nem emoções desta minha ilusão. Tu, sentinela negra desta minha consciência jamais te negarei.
Sei que te desejo mas não te quero. Não quero essa brandura do não sentir, prefiro ignorar-te, saber que não me olvidas, saber que nada sou a saber que nada sinto.
Prefiro contar a não me lembrar.
Prefiro a finitude do desassossego à eternidade do sossego.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Novamente a insustentável leveza do ser

Fora de mim há vida. A noite envolve-se numa serenidade premonitória e aconchega-se numa atmosfera branda e verdejante. Cobre-se com luxúriosas mantas de giestas e pinheiros, aquece-se à lareira de Morfeu.
Em mim, neste crepúsculo permanente, neste lusco-fusco que me impede de ver com claridade, há morte. Em mim sinto nascerem árvores sem fruto, folhas outoniças, amarelentas, flores sem pétalas. O meu ser aconchega-se nas chamas do sentir doentio, encosta a cabeça ao travesseiro do sonho e espera que os carvalhos predizentes lhe dêem respostas. Aguarda que este sangue frio, este pressentir o envenene definitivamente e o leve deste plano, espera neste palco do absurdo a inatingível compreensão das coisas que nada valem.
Assim, como quem Espera por Godot, este meu “eu” malsão vai envelhecendo em busca do “nada”, acorrentando-se ao manicómio da existência, gastando-se nesta insustentável leveza do ser até à libertação final.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Se...

A dor da minha existência, hoje, arde em lume brando. Perco-me num estado memorialístico intermédio, dir-se-ia a dois tempos. Navego pela geografia dos sentires há muito quebrados e na geometria poética dos sentimentos vagueantes. Medito, mais uma vez, no passado e no futuro e deixo-me envolver pelas inexistentes preposições dos “ses”. Choro a ilusão dos “ses”! Se pudesse começar de novo jamais entraria no desassossego vadio do pensamento. Se pudesse começar de novo viveria na epiderme e não no cérebro.
A chuva caíria branda, não haveria trovoadas, o sol douraria as existências, a simplicidade das sensações louvariam amores e desamores, abraçariam a frescura dos dias e não as suas deambulações paradoxais. Tudo faria sentido, só existiria um mundo e um tempo, os dias sucederiam às noites, a primavera antecederia o verão, nada soaria a falso, tudo seria real, palpável.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O abismo das palavras

Gosto de entrar no abismo das palavras e nos sentires que me provocam. Gosto de olhar em torno de mim e deixar-me envolver pelas imagens irreas que se formam em mim e que tateio como um invisusal. Saborei-o longamente este rodopiar em torno de uma ideia, de um conceito, saboreio a doçura que é deixar-me cair neste poço sem muros, nem fronteiras, neste universo onde tudo posso fingir e ser.
Nele, torno-me egocêntrico. Nesse mar de deambulações constantes, de hesitações, de certezas e de dúvidas, de tragédias e odisseias, de amores e castigos, nele sou o centro do universo. Nele, “eu” sou o centro da floresta desordenada, a chave desencriptadora de um dicionário aleatório, “eu” sou a ponte que nada une mas questiona, a garra que as amordaça e a asa que as liberta.
Nele encontro o tédio do pensar.
- Abaixo o abismo das palavras!

Não sei explicar


Não sei explicar! Acho beleza nas coisas mas não consigo exprimi-la em palavras. Às vezes, como exercício, e na tentativa de captar a essência dessa beleza, da brandura, da ternura.... que algumas imagens nos transmitem escrevo sem nexo, sem a preocupação de conjugar as palavras num único sentido. Sigo-as, talvez a seguir representações do belo existentes em mim, mas que, objectivamente, depois de lidas e relidas obrigam-me a refazer tudo vezes sem conta, porque não há sentido naquilo que digo.
Às vezes, quando olho para um quadro sinto-me atraído por ele, encontro beleza nele, mas não consigo beber o mistério e o sonho que ele encerra. Chegam-me ecos das cores, de ideias, de cheiros, memórias de sombras, da calidez, até de gestos... no fundo sabores simbólicos em mim existentes mas que, por incapacidade abstrativa, provavelmente, não consigo fundi-los num só cadinho.
Não sei explicar...