terça-feira, 31 de julho de 2012

Viagem ao Fim da Noite


Hoje a noite chega devagar. Chove um silêncio calmo, estranhamente calmo, ao regressar a mim. O silêncio é tanto que até as moscas descansam nele. Sopram brisas serenas, suaves perfumes de uma primavera estratificada por pressões que não quero mas vivo. Navego devagar, nem sons quero ouvir, deixo-me ir simplesmente, nada posso contra os deuses sapientes que, repentinamente, se revelaram em toda sua verdade eloquente. Sei onde tudo desagua.
Arrumo as prateleiras, pego na mala e viajo. Viajo ao fim da noite. Apago as luzes, agarro num livro e entro nos subúrbios de mim. Contagio-me mais uma vez pela simbologia das palavras que devoro. Leio e releio vezes sem conta, à procura de outros sentidos que não aquele que se me revela de imediato. Sinto-me doente, há uma qualquer bactéria que me contagia, que me induz neste caminho da ilusão.
Precavenho-me! Armo a ratoeira da realidade.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Despertar

Abro os olhos, acordo, deambulo pelo pensamento e, de repente, retenho a sensação que ainda estou vivo. Nem quero acreditar, aspiro fundo, retenho o ar e, incrédulo, abano a cabeça. Na fútil promessa do dia que se avizinha, consigo descobrir ondas de inspiração, abandono-me nelas e, durante longos minutos, deixo o meu dono que me segue constantemente como uma sombra. Entro na porta onde nunca tinha ousado entrar por razões que nem conhecia. Talvez, devido às insónias constantes, ao medo da vertigem, ao medo da condenação... sei lá!, tudo é enredo, tudo são razões de um sonho, e eu amo os sonhos.
Nos sonhos há razões que a razão desconhece, nos sonhos descobrimos a utópica liberdade, esbarramos com verdades que sempre estiveram à nossa frente mas cegos pela coitada da realidade, pobre em arte, não as vemos.
Os sonhos são a panaceia para a existência.
Continuo a sonhar.

Guano Apes





(...)
Open your eyes, open your mind
proud like a god don't pretend to be blind
trapped in yourself, break out instead
beat the machine that works in your head

(...)

domingo, 29 de julho de 2012

O pensamento

Desde que despertei para o abismo de existir cada vez se me torna mais escura a noite, cada vez me é mais difícil existir nas máscaras do quotidiano e muito mais concebê-las. Não choro nem rio, sobrevivo no pavor da liberdade concebida nas amarras da consciência. Apavoro-me perante a nudez do mundo que todos os dias se me revela desta forma tão assertiva e tão ponderada. Não estou irritado, longe disso, estou horrorizado pela lucidez das ideias que, hoje, me sobem à mente através destes canais labirínticos, belos e horríveis, que os deuses amavelmente nos concederam.
Nada mais preciso, ou melhor, nada mais precisamos, além de pensar. Só no pensamento nos descobrimos verdadeiramente, só com ele navegamos de fora para dentro e de dentro para fora. Só ele nos dá a verdadeira consciência de nós e, calorosamente, nos arranca, sem dó nem piedade, nacos viscerais da alma ensanguentados pelo nada.
Declaro-me recoletor de ideias. Nada mais preciso do que ir beber nas fontes das ideias e matar a fome no simbolismo das palavras.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Materialismo


Hoje destruí-me, destrui tudo aquilo que criei. Entrei no movimento atómico das coisas e não encontrei nada. No vazio do materialismo venci mundos reais ilusórios. Nesse movimento aleatório subatómico mil pedações de mim desapareceram, evaporaram-se nas chamas frias do pensamento. Agora, jazem, solenemente, em campa rasa, com lápide e epitáfio. Rasguei velhos papéis amarelados pelo tempo, apaguei preconceitos, queimei deuses, matei a morte, rasurei velhas verdades, mil folhas perenes tombaram pelos ventos da solidão. Percorri os corredores da loucura, andei nas proximidades da alienação mas proclamei-me. Andei escondido na floresta da realidade doentia mas derrubei muros por mim erguidos. Peguei em armas, fiz-me guerra mas venci-me.
Sinto medos, mas são diferentes...

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Cansaço


Sento-me na cadeira e espero que a Noite chegue. Fecho os olhos, encosto a cabeça ao travesseiro do cansaço e adormeço. Levito no mundo dos sonhos e afunila-se-me o futuro, fecham-se-me as portas do tempo. Acordo irrequieto, regresso à irrealidade desassossegante onde continuo a sonhar. Cerram-se-me as pálpebras e ordeno-lhe:
- Escuta-me, exterior de mim, maldito sejas, não quero dormir. Não preciso de intervalos. Não quero coisa nenhuma. Não estou cansado, corpo disforme sem dons de vida. Escuta-me... Quero voar e cair do alto.
Escuto-me. Canso-me. Adormeço.

Gary Moore

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ao futuro


Raramente comemoro qualquer acontecimento passado. Essas manifestações de alegria sempre me pareceram descabidas, às vezes ridículas, fora da minha forma de estar e de sentir. Se o faço, faço-o pelas convenções sociais, não por convicção.
Prefiro comemorar o futuro. Este pequeno texto é isso mesmo, é uma comemoração do futuro. Provavelmente comemoro sonhos e ilusões, angústias sem remédio, mas prefiro assim, sinto essa fé bacoca em mim que, apesar de tudo, me alimenta e me alenta para continuar. Sinto uma aragem leve que se levanta no amanhã e faz-
-me crer que é uma brisa matinal refrescante capaz de me libertar da febre medonha do quotidiano.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

domingo, 15 de julho de 2012

Falhei...


Hoje sinto que o horror da vida é o mistério da irrealidade quotidiana. Caminho permanentemente sobre ideias, navego em filosofias vãs, acredito em sonhos, inspiro-me na simbologia das palavras mas a vida não é nada isso. A vida é real, pesa-me todos os dias, sinto-a, carrego-a.
Dói-me esta realidade de mim, a minha incompetência, dói-me esta inocência de apenas viver dentro de mim.
A alegria dos outros soa-me a falso, não consigo concebê-la. Em mim há apenas relâmpagos de gracejos e sorrisos confrangedores. Arrasto-me, eu sei, não tenho fé em mim, sei que falhei... Resta-me o vazio.

Fleetwood Mac


sábado, 14 de julho de 2012

A feira


Estes sons calmos, sem bateria para marcar o compasso, parecem ter algum efeito analgésico sobre estas páginas em branco. Devolvem-me palavras lunáticas, imersas em vazio, devolvem-me palavras que me parecem ser a última ilusão do nada.
Procuro na personalidade dos transeuntes a crença de que necessito. Apenas me encontro na indiferença. Procuro neles esta apatia de mim mas não sou capaz de a encontrar. É minha, terrificamente minha! Parece-me tudo tão distante, tudo tão irreal que não sei se durmo se sonho.
Procuro no olhar dos outros este desespero permanente que se entranhou em mim. Nada! Não encontro uma ponte que ligue esta brecha. Estou só, rodeado de gente, e este estigma sangrante do tempo que não pára. Dói-me o meu mundo e dói-me o mundo dos outros.
Deixem-me ir...

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sem tempo


Perscruto o tempo,
Desço na deriva da evolução.
Vi Deus criar-me:
Nasci do pecado original,
Da culpa que não tenho,
Sei da minha imperfeição.

Desço mais um degrau,
Vou no tridente de Neptuno
Olho de longe Poseidon,
Não distingo diferenças,
Pegadas comuns do mesmo caminho

Luto por poder,
queimo pelo mito da verdade
e morro de vergonha.

Entro na caverna
sou recolector,
caçador,
luto pela sobrevivência,
Abismo-me com o mundo
crio deuses,
bons e maus,
pretos e brancos,
Não distingo diferenças.

Renasço antropóide
e perco a consciência.
Sou ouriço do mar,
célula,
molécula inorgânica de um
coacervado,
de um caótico mundo
instável.

Expludo,
construo o universo,
os sóis e os planetas.
Caio no vazio,
advém o nada,
a eternidade

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Há caminhos que bifurcam


Hoje a minha floresta surge-me densa, as clareiras são raras, não há luz que me ilumine. Condeno-me a mim próprio, talvez, mas tropeço demasiadas vezes em folhas ressequidas, repletas de “certezas” que não compreendo. Olho em redor à procura de Pã, dos faunos da florestas e não os encontro, desapareceram todos na minha escuridão, ou na luz do tempo, não sei bem.
Ah!... outros mundos, sinto-me inapto para os descobrir. Não há harmonia em mim, por natureza sou demasiado inquieto e conciso, não consigo. Há demasiados cataclismos que me atormentam, não possuo um espírito protector, não há salvação para mim... De pouco me valeram as horas que passei embrenhado nos livros que me deram certezas sem nada me explicarem.
Há caminhos que bifurcam.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Yes



(...)

Soon oh soon the light
Ours to shape for all time, ours the right
The sun will lead us
Our reason to be here
The sun will lead us
Our reason to be here

Roubar uma nuvem

Esta música incomoda-me. Incomoda-me não sei se pelas recordações quer me trás se por ferir o silêncio de que necessito para entrar em mim. Logo hoje que queria voar nas asas do vento e subir ao cume dos montes, ascender bem alto, ver a curvatura da terra e, no regresso, trazer uma nuvem. Roubar uma nuvem, que sempre foi o meu sonho de criança. Embrulhá-la nos sentires, dissolvê-la na angústia e saborear a doçura do algodão doce. Queria adormecer nela todos os dias da minha existência, descansar no dorso da sua maciez e deixar definitivamente esta cama de faquir cujos pregos se espetam em mim e me ferem, me algemam a esta realidade sem substância.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sem inspiração

(...)

Foi tempo de tudo enterrar no esconso inconsciente, de os rever amargamente nas suas memórias, de os sentir apenas como quem sente uma árvore: sempre viva mas simultaneamente ausente. Foi tempo de mastigar África como quem masca uma folha de tabaco, acre mas viciante. Uma memória sempre presente nas tardes quentes e nas noites frias de um sentir cheio de incoerências mas profundamente seu e verdadeiro. África era agora um mar de grandes vagas, abissalmente profundo, um universo de serenidades desassossegantes, incompreensíveis e estranhas. Uma terra repleta de ecos de paixões arrebatadas, de sofrimento, de rostos distantes, de guerreiros e fantasmas assustadores.

(...)

domingo, 8 de julho de 2012

Não me cansa estar só

Não me cansa estar só,
gosto de me caminhar sentado.
Não preciso de pernas nem escadas,
quero percorrer-me parado.
Não quero o Sol nem a Terra,
quero o meu sonho reinventado.

Não me cansa estar só,
gosto de me retalhar isolado.
Não quero o Céu nem Inferno,
abastanças sem telhado.
Não quero o mar nem as estrelas
quero viver, como se nunca tivesse chegado.

sábado, 7 de julho de 2012

Deep Purple

Fingimentos

Às vezes, ao reler os textos anteriores, fico com a sensação que digo sem nada dizer. Reinvento-me a mim próprio nestas confidências, é como se fossem tentativas, repetidas, de descrever esta geografia interna e abstracta que em mim paira, a semelhar nevoeiro inverniço assente nos vales. É, sem dúvida, transformar a realidade a partir deste “eu” inexistente e, perante isto, hoje coloca-se-me a questão: que marcas ficam em mim? Que marcas ficam em quem as lê?
As marcas nos outros não me interessam, a pergunta é meramente retórica. As minhas sei quais são, mas também pouco importam. Transformam-me, viciam-me, elevam-se em mim e talham-me nos passos que dou. Aprendo, todos os dias, a caminhar com elas. Esculpem-me no isolamento.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Coisas


Voltaram as angústias do nada. A vagabundagem das Fúrias Tristes enveredaram novamente para este recanto. Sem pedirem autorização, regressaram às ruas e encostaram-se às esquinas desta casa rude e bafienta. Andam de quarto em quarto, atravessam os corredores, sentam-se e levantam-se... numa sequência de movimentos que a mim próprio me incomodam. Não sei o que procuram, provavelmente não encontram razões para se explicarem e, por isso mesmo, a mente, sempre irrequieta, continua, sem parar, numa sequência de pensamentos náufragos, de interrogações e interjeições indigestas. Dir-se-ia que navegam nas asas de um pensamento em movimento curvilíneo uniformemente acelerado. Acelera com a gravidade monótona de nada, desacelera, felizmente, na busca das palavras para se explicar a si próprio.
Monitorizo-o, controlo-o desta forma, ainda não encontrei outro mecanismo capaz de o agrilhoar no sótão, ou então, de o libertar num dia de vento e que o arraste para terras que fiquem para lá do sentir.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Transmutações


Toc, toc
posso entrar
pensamento tumular?
- Não! O Sol
estou a chamar.

Toc, toc
posso entrar
tempo de trovejar?
- Não! As nuvens
vou afastar.

Toc, toc
posso entrar
angústias de encapelar?
- Não! O mar
vou amainar.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Flora de brincadeiras


Saiba mais aqui.

Passos


Deixei de olhar o Céu,
o tempo voa,
esgotei as contemplações,
prefiro a clepsidra do eu.

Percorro-me nas pedras que piso,
um... dois... três... passos,
sinto-me estremecer
quando me revejo no lancil
do passeio tão inciso.

Que é feito da razão?
formigueiro vexatório,
abram-me todas as janelas,
prefiro sonhos infinitos
aos caminhos cismáticos de mim.

Ladeiras


Estarei lá,
na monotonia do existir,
no desespero do silêncio,
nas crinas do resistir.

Estarei lá,
porque eu sou nada,
não existo,
sou a sombra da memória,
o pavor do verbo incontrolado,
um som pardo e repetitivo.

Estarei lá,
onde o céu se rasga
e o futuro começa.

domingo, 1 de julho de 2012

Refúgios intrínsecos


Perdi a alma,
destrui-me no vórtice da dor,
cavalguei nas asas negras da morte
que desprezei.
Agora,
no eclipse da mim,
Dói-me o refúgio do silêncio,
as madrugadas,
que já não tenho para dar.
Dói-me o refúgio do tempo
em aguarelas,
que já não tenho para pintar.
Dói-me o refúgio dos sentidos,
feridas,
que ainda tenho para sarar.
Ó Deus misericordioso!
cortaram-me as pétalas do olhar.

Genesis


(...)

The crawlers cover the floor in the red ochre corridor.
For my second sight of people, they've more lifeblood than before.
They're moving in time to a heavy wooden door, 
Where the needles eye is winking, closing in on the poor.
The carpet crawlers heed their callers:
Weve got to get in to get out
Weve got to get in to get out
Weve got to get in to get out.

(...)