sexta-feira, 18 de maio de 2012

Anticlépsidra

O comboio já partiu, cheguei tarde à estação. Olho em redor e saboreio o tempo chuvoso que se abateu na cidade deserta e que, melancolicamente, parece condensar-se ali, naquele instante.“Dez segundo antes e tudo seria diferente”, pensei. Passeio no cais e olho o tempo, o tempo divido em fracções de segundo, o tempo que os mortais contam.
Cismático, à procura de razões deste ressentimento em mim, orgânico, infindável, descubro um outro tempo, inexplicável, doloroso, que me aperta a alma, que não esquece mas que aviva memórias, que não me aproxima mas que me afasta do Destino, um outro que me conduz à beleza insondável da imaterialidade das coisas.
Enquanto espero pelo próximo sento-me. Aumento o caudal silêncioso, como quem roda o botão do volume do rádio. Errante, iludido corro atrás desse sopro de ânsia como se nele existisse o elixir da juventude e, aterrado de alegria, estanco. Nele descubro outros caminhos, rios que correm em sentido ascendente e me levam à necrópole do desatino, à mágica clépsidra que corre em sentido contrário, nele descubro a loucura, um vislumbre daquilo que sou.

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