domingo, 6 de setembro de 2009

ETAPA - 9 (Parte 2)



Acordámos, vestimos a desconfortável roupa húmida, e aconchegámos o estômago também com uns chocolates que a simpática peregrina checa fez questão de deixar em cima da mesa, como forma de agradecer o jantar que partilhámos com ela na tarde anterior.
O centro histórico de Sarria mantém um ar medieval que se completava com a chusma de peregrinos que, a pé, desgrenhados e ainda ensonados subiam a rua principal àquela hora da manhã. O dia nascera cinzento. O caminho, logo que se deixa cidade, embrenha-se em bosques de carvalhos, pinhos, uma vegetação luxuriante que nos isola, que nos faz regressar ao nosso interior, às nossas origens, e é quebrado, de quando em vez, pelas dezenas de aldeias que vão desfilando, isoladas, também elas perdidas no tempo.
O primeiro grande burgo a surgir no caminho é Portomarín, onde não parámos. A ânsia de chegar era muita, o cansaço, sei agora, não tem olhos para as coisas da cultura e muito menos para desvios do caminho, e, mais uma vez, ficou por contemplar a Igreja Fortaleza de S. Nicolau, Séc XII, transferida pedra por pedra para o alto do monte. Metemos pela actual ponte dos peregrinos, já que a antiga se encontra submersa pela água da barragem de Belesar, que nos desvia para a esquerda, e nos embrenha, mais uma vez, em sendas, veredas, córregos, atalhos, canados, corredoiras, tudo laços que atam as dezenas de aldeias que se vão sucedendo.
De todas essas aldeias ficou-me na memória Ligonde e Palas de Rei, onde tive o meu único furo, que remendei debaixo de chuva intensa, já que nas proximidades não havia qualquer abrigo. Em Palas de Rei vi, ao longe, o Castelo de Pambre, envolto em lendas e mistérios, em Ligonde mais uma vez, a minha memória permeável a lendas e encantamentos de outros tempos, associou a toponímica a Lug, deus Celta, padroeiro dos engenhosos, e logo errou pelas labirínticas lendas desses povos que, provavelmente, terão sido os verdadeiros precursores do caminho.



BUEN CAMIÑO!

3 comentários:

Júlia Ribeiro disse...

Olá, Sá Guá:
Já deixei aqui um breve comentário, mas deve-me ter escapado o click para "publicar" e o dito sumiu.
Perguntava eu : " Quando é que estes fantásticos relatos, tão ricos, tão vivos, vão dar o livro que todos esperamos?"

Um abraço
Júlia

António Sá Gué disse...

Olá, Júlia!

Pois é!...
Não escondo que quando o pensei fazer havia também esse pensamento na cabeça, ou pelo que fosse ponto de partida para algo mais sério.
A ideia destes relatos foram-se aprimorando à medida que fui lendo e fui descobrindo o outro caminho, o cultural, que vi ao longo do percurso mas que sinceramente não conhecia em toda a sua dimensão. Para os passar a livro, talvez seja uma ideia, mas tenho que os aprofundar, talvez até fazê-lo outra vez, agora com outros olhos.

Wanda Wenceslau disse...

Olá!
Sá Gué:
Concordo com a Júlia, quanto ao livro.
Pois refaça o caminho e acrescente mais detalhes.Será um prazer ver o percurso sob a sua visão!
Abraço
Wanda
São Paulo, 9 de setembro de 2009