Foi uma etapa longa, quente, e culturalmente muito rica.
Pamplona, onde chegamos ao lusco-fusco do dia anterior, é a primeira grande capital que se encontra no caminho. Dormimos num albergue municipal, instalado num antigo seminário, e acabamos por assistir à festa de permanência na primeira divisão do
OSASSUNA, clube dessa cidade, e demos asas à nossa
aficcion toureira, nas afamadas festas dos
encierros de San Fermin, contracenando com as corpulentas estátuas dos exemplares taurinos que correm ao longo das ruas no centro da cidade.
À saída acabamos por nos perder, e só encontramos a direcção devida, nos frescos jardins da zona universitária que se prolongam numa bonita zona pedonal, onde apetece apreciar a paisagem em redor sentado nos muitos e apetecíveis bancos existentes. Todo esse corredor que bordeja a cidade foi atravessado sem pressas, como disse, acabando por desembocar na bela ponte de
Azella. Depois o caminho começa a subir e só pára no “Alto del Perdon”, onde a lendária “Fuente de Reniega” continua a ser objecto de interesse das imensas máquinas fotográficas, bem como a paisagem distante, tão distante que faz perder o olhar. Diz a lenda, que o diabo disfarçado de caminhante, apareceu a um sedento peregrino e prometeu levá-lo a uma fonte se renegasse a sua fé. O peregrino rejeitou a oferta e foi então que se deu o milagre. Santiago surgiu-lhe, à frente dos seus olhos, vestido de peregrino e conduziu-o a esta fonte onde lhe matou a sede com a sua vieira.
Depois o caminho desce rapidamente por sendas pedregosas, como a vida, e depressa se chega a
Uterga,
Muruzával e
Obanos, onde paramos para retemperar forças e apreciar a beleza arquitectónica da
Igreja de S. Juan Baptista e onde soubemos, um pouco encantados, a lenda da Santa Felícia de Aquitânia: diz-se que depois de percorrer o caminho como peregrina, decidiu renunciar à vida de nobreza e ficar a viver neste lugar para auxiliar os pobres. O Seu irmão, Duque Guilherme, quis obrigá-la a regressar, como não o conseguiu matou-a à punhalada. Cheio de remorsos, peregrinou até Santiago como penitência e no regresso decidiu ficar também ele em
Obanos.
Continua-se por entre campos de cultivo e aparece outra lenda do caminho, que cresceu à sombra dele, encruzilhada do caminho Aragonês e Francês:
Puente la Reina. Conta a lenda que na ponte dos peregrinos existia uma imagem da virgem de
El Puy e sempre que a aldeia se engalanava para qualquer evento, aparecia um passarinho para lavar a imagem, molhando as asas no rio e transportando água no bico.
Ficou-me na memória a estreita e bonita rua que desemboca na dita ponte dos peregrinos, bem como o primeiro percalço da viajem, já que, nas proximidades desta vila se partiu o parafuso que fixa o selim ao espigão e, sem forma de conseguir esta importantíssima peça da bicicleta, que me apetece apelidar de máquina de regresso ao passado, tive que continuar viajem até à próxima vila, meia dúzia de quilómetros depois, pedalando sempre em pé, sem me poder sentar. Continua-se sempre em frente debaixo de um sol impiedoso, só amenizado por se saber que se pedala nas pedras de mais uma estrada romana. Atravessam-se vinhedos, a estrada nacional, várias vezes, e a seguir aparece
Lorca e a sua bojuda igreja. Depois, depois lembro-me de subir, descer, subir, descer… atravessar pontes, vilas, aldeias com robustas e preciosas Igrejas, de grande dimensão, como se fossem desproporcionadas para o tamanho dos lugarejos.
A meio da tarde, depois de ver amendoeiras oliveiras que foi para mim uma novidade, surge
Estella, e surgem dúvidas se devíamos continuar, ou dormir ali, tal era o cansaço e o calor sentido. É uma vila de grande riqueza cultural, abundantes monumentos, testemunhos de um passado florescente. Nela assisti a uma lição curiosa. Fui assistente de uma aula ao vivo, dada por uma professora de 1º ciclo, com a turma sentada na escadaria de uma das Igrejas, extremamente atenta, onde explicava de uma forma muito concreta a reconquista cristã, as marcas existentes desse longínquo tempo histórico naquela terra, além das curiosidades sobre o
Caminho de Santiago. Uma aula de história ao vivo, muito interessante. Os bons exemplos podem ser copiados.
Decidimos continuar até “Los Arcos”, onde dormimos nas águas-furtadas de um albergue
sui generis, com um ambiente pluricultural. As lições dessa tarde ainda não tinham terminado, ainda tivemos que beber na famosa fonte de vinho,… sim!, não é lenda, existe mesmo a fonte que brota vinho por cortesia das adegas Irache.
BUEN CAMIÑO!