No início da quarta jornada as extensas planícies riojanas, verdes, muito verdes, continuaram a surgir de ambos os lados do caminho. Dormimos em “Hornilhos del Caminho”, e tal como indica o seu nome, é uma aldeia tipicamente jacobeia: a sua única rua coincide com o caminho. O albergue fica mesmo ao lado da igreja e estava completamente esgotado, valeu o polidesportivo para dormir debaixo de telha. Na previsão de andamento que, invariavelmente, fazíamos à hora do meio-deia, combinámos terminar o dia em “”Rabe de las Calzadas”, a 10 km antes de
Hornilhos, mas, também ele estava esgotado, e foi mais um percalço, já que depois de ter percorrido 90 Km, tivemos que, forçosamente, fazer mais 10, o que não foi nada agradável.
Apesar das longas rectas senti que os declives começavam a acentuar-se. Atravessámos ondulantes searas, passamos
Grañón e surge
Redecilha del Caminho onde nos abismámos com a lindíssima pia baptismal cujo trabalho rendilhado de relevo representa uma cidade, ou melhor, as muralhas de uma cidade, provavelmente Jerusalém. Depois foi sempre a pedalar, durante uma hora, ou mais, até chegar a
Belorado, cuja riqueza cultural ficou para outra oportunidade, porque o caminho passa ligeiramente ao lado, e a fome, que era muita, era imperioso saciar no primeiro bar que surgisse que, por sorte, foi o rico albergue de
Belorado, que até piscina tinha.
Em
San Juan de Ortega, onde almoçámos, quer dizer, onde saciámos a fome com mais um
bocadillo de janbon, foi segundo rezam os cânones do caminho, discípulo de
San Juan de la Calzada a quem, e aqui fica aqui mais uma curiosidade, se deve a construção da ponte de 24 arcos sobre o rio
Oja, mesmo à saída da vila, bem como a calçada, e daí o epíteto de
Calzada, que vai de
Nájera até
Redecilha del Caminho.
San Juan de Ortega, engenheiro, também ele dedicou a sua sabedoria aos peregrinos. O elevado número de assaltos e assassinatos que os romeiros sofriam ao longo dos
Montes de Oca, motivou-o a construir uma Igreja e um albergue para os acolher. A abside da igreja é lindíssimo, o seu sepulcro romântico, no interior, a não perder. Mais uma vez se sente o peso pedras, não o da gravidade, claro! o do tempo que as vai encanecendo. Naquele santuário, isolado, fica-se com a sensação de regressar a um outra era, onde as coisas têm outro significado, outra dimensão e que, confesso, gostava de ter vivido. Veja-se o milagre da luz que todos os anos acontece nos equinócios da Primavera e Outono: no interior da igreja, um raio de luz do poente ilumina durante 5 minutos o capitel triplo que representa o ciclo da natividade.
Mas a maior impressão foi a catedral de Burgos, terra de “El Cid”, que se impõe pela imponência e pela harmonia Isabelina de todos os seus outões, janelas, pórticos. Todo aquele rendilhado é filigrana gondomarense. Lá dentro, não deixei de reparar na capela de Santa Ana, onde o escudo das quinas aparece várias vezes, sempre como parte integrante da grande Espanha. E se a construção aconteceu na época filipina, o que presumo, assim era, efectivamente, mas para um português, crente na portugalidade, não deixa de ser estranho.
Despedimo-nos das agulhas da catedral,com a dúvida se não seria melhor terminar por ali a etapa, mas ultrapassada essa indecisão, metemos, mais uma vez, pelos páramos castelhanos. A paisagem é agora mais áspera e mais pobre. Essa aspereza sentia depois de deixar
Atapuerca e os seus sagrados menires (levantados há milhões de anos pelo nosso antecessor), ao longo de mais uma pedregosa e barrenta ladeira, que nos havia de aproximar de
Hornilhos.
BUEN CAMIÑO!
1 comentário:
Olá, Sá Gué:
Tenho estado ausente e sem acesso à net. Agora ando a visitar as capelinhas. Gosto de ler o seu "camiño de Santiago". Do percurso de hoje, conheço a catedral de Burgos, mas nada sabia do raio de luz nos equinócios nem do efeito produzido.
Abraço
Júlia
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