A alma é também um abismo temporal e ainda bem. A minha é medieva, sei-o agora. Gosta de viajar nas dimensões do passado, de reconhecer as pessoas que existem nas páginas dos livros e captar-
-lhes a tristeza inenarrável sentida nas acusações mesquinhas e interesseiras feitas em nome de uma verdade insincera.
Gosta de se transformar nas suas vidas quotidianas, de as sentir percorrer as ruas que também percorre, de as olhar nos olhos e descortinar neles a força e a esperança para enfrentar os murmúrios acusatórios dos vizinhos e dos amigos. Gosta de conhecer a realidade prismática que foram obrigados a viver e que transformaram em defesa da sua verdade.
Sente que lhes pertence. Sente que tem dentro dela o verbo das orações, os sonhos inacabados antes de tempo, a calma de quem tem a consciência tranquila e nada tem que temer.
Este não é apenas um livro de pesquiza histórica, de perseguição e de intolerância. Ultrapassa a narrativa fria da ciência e vai-nos dando quadros de um quotidiano que nos ajuda a compreender as emoções, os sentimentos e as posições de quem não se verga e morre na fogueira, de quem não resiste à dor e é obrigado a renegar as crenças do amanhã.
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