domingo, 30 de setembro de 2012

A génese

Larga o escudo da realidade e olha para dentro. O que vês? O que ouves? Um oceano de vulcões insensatos que te ferem e reprimem. Rugidos de bestas que se digladiam em silêncio. Lava incandescente que te deixa em carne viva. Placas em movimento que se empurram sem razão, que se elevam e se afundam criando montanhas. Vês planícies que te acalmam?! Ouves o som do vento a romper a aurora?!
Esse é o dia da encarnação.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Interrogações

Pensar! Fundir a realidade na fornalha humana. Viajar na história e nos céus, misturar cores e sons, abrir fendas, lamber feridas, deificar o compreensível e o incompreensível, implodir vulcões... Até onde é possível navegar? A que temperatura se separa o ferro da ganga? Que profundidade é possível atingir neste poço de escuridão e luz? Que mundos de amor e ódio se tornam realidade neste caleidoscópio estático em perpétuo movimento? Que sonhos e realidades se sonham? Qual a sua energia cinética? É possível pensar não pensar? Como se trava esta máquina de complexas engrenagens?

terça-feira, 25 de setembro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A erosão do tempo

A erosão do tempo revela-me. Revela-se-me na carne, nas rugas, nas cachoeiras das memórias, na cara contraída que vejo ao espelho. Sei-me moribundo, penitente do tempo, carregado de um pó pegajoso que não consigo sacudir, que me mantém rastejante de um tempo que respiro em silêncio.
Sei que na pergunta tensa de hoje fui a resposta relaxada de ontem. Hoje, sei que no Caminho do Presente fui a Ponte das Despedidas Forçadas que ontem atravessei. Sei! Sei-me caminhante mutante, abrigado das emoções, que avança em direção à Liberdade e sempre refazendo o tempo.

sábado, 22 de setembro de 2012

Aventurei-me!

Aventurei-me! Ousei entrar na busca reveladora da beleza. Descobri montes verdejantes, melodias, flores em permanente abertura, carícias infinitas... mil feitiços que só a realidade criativa nos revela.
Aventurei-me! Quis saber como tudo começou. Descobri corredores de tempo, memórias reveladas, desejos, fontes secas, nevoeiros, ansiedades, frustrações... tudo símbolos de uma matriz humana comum.
Aventurei-me! Quis saber o que era a vida, quis penetrar nos enigmas da ciência reveladora das verdades simples e complexas. Descobri a eterna luta entre Deus e o Diabo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Escrever (parte 2)

Escrever é ser capaz de detetar esses leves momentos impressivos que todos nós possuímos e conseguir colocá-lo nas palavras. Escrever é entrar na nossa escuridão e nela conseguir descortinar a mais leve fímbria de luz. Talvez eu seja um impressionista, talvez me interessem muito mais as cores interiores do ser humano, mesmo que sejam em tons negros, que o cinzentismo da realidade. Talvez me interesse mais o movimento do pensamento que o quietismo marchante e alinhado das palavras. Talvez me interessem mais as palavras perfurantes, que abrem brechas em nós, do que as ideias românticas e amenas que se me revelam pelas manhãs.
Escrever é para mim, e cada vez mais, afogar-me conscientemente no oceano do pensamento, procurar sentido nas sombras sem sol, juntar os cacos escondidos e partir em busca do tesouro perdido no templo humano.
Escrever é tentar definir o nada, que é tudo, para parafrasear o poeta.

Mozart

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Escrever (Parte 1)

Escrever sem sentir o mundo é apenas descrever. Não me revejo na escrita meramente descritiva, por muito escorreita que seja do ponto de vista gramatical ou sintático. Escrever sem tentar colocar nas palavras a individualidade do mundo interior que todos nós possuímos, vivido de forma mais ou menos intensa, pouco mais é do que um ato de aprendizagem que se treina na leitura e no próprio ato de escrever.
Se há alguma beleza na literatura, essa beleza passa, no meu modesto critério, pela capacidade de reinventar o mundo que está à nossa volta, que todos nós vemos, mas que todos sentimos de forma diferente. Acredito que essa capacidade de reinventar o mundo não depende apenas do conhecimento científico que se possua. Não rejeito que esse conhecimento nos facilita a tarefa, mas, para além desse conhecimento científico, existe um outro muito mais humano, e que é também conhecimento, sem qualquer sombra de dúvida, e que passa pela tomada de consciência de nós e do mundo que nos rodeia e que, creio, pode existir no mais humilde dos seres humanos, mesmo que não possua vocabulário capaz para expressar o que vai no seu íntimo.

(Continua..)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Envelhecer


Resolver esta minha inquietação, que mais parece genética, hoje, parece-me impossível. Envelheço nestas cavalgadas, nestas engrenagens de pensamentos imbricados uns nos outros, nestes raciocínios que creio fazerem sentido para tentar encontrar o valor de “x”, como se tudo fosse lógica matemática, sabendo bem que não é.
Envelheço à procura daquilo que fui e não fui, em busca daquilo que não sou e gostava de ter sido, sabendo que é impossível e não importa nada.
Envelheço neste verbalismo metafísico, crente que só ele me conduzirá à placidez do horizonte sem memória e que hoje não me enche de tédio. Envelheço a aproveitar o tempo, a olhar para mim, a esquecer o amanhã, a destapar a tampa que permanece sobre pressão diária, sabendo que esta pressão é, simplesmente, inerência da condição humana.
Envelheço a olhar permanentemente o calendário sem nunca fixar o dia, a olhar o relógio sem nunca querer saber as horas.
Envelheço à procura da razão sem nunca a querer ter, a ruminar ideias, a caminhar no descaminho do absurdo.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Abismo orgânico


Há dias em que tudo me parece alegre, hoje, e desconheço o motivo, a alma entranhou-se no corpo e parece não querer sair. Hoje, o abismo é gigeriano, parece ser muito mais orgânico que existencial. Descarregou no fígado, fixou-se no estômago e parece querer tomar de assalto todos os músculos. Pigmeu, medievo, são adjectivos que me servem neste momento. Hoje não penso nem sinto, desdenho. Desdenho da existência, da criatividade que me parece desconexa, desdenho do relógio que não pára, dos entreténs estéreis...

Patti Smith

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Requiem

O que ficou deste dia? Vagos pensamentos. Fundições arrepiantes de sonho e realidade, tropeções na geografia da consciência de ser. Banalidades! Leves possibilidades da existência de um mar, certezas da existência de grandes e fortes portões de ferro. Conversas com sombras, visões fantasmagóricas induzidas pelo cansaço, alheamentos, passeios na falsa orografia que esta parede branca possui, emoções levitantes que as palavras arrastam.
Nada!
Inutilidades. Perdas de tempo, negações de um canto, mero requiem às ruínas de um templo absurdo.

sábado, 15 de setembro de 2012

A trincheira de mim

Apaga a luz. Deixa vir a noite mais cedo. Aqui, na trincheira, o tempo não me descobre. Aqui não há princípio nem fim, nem céu nem inferno, apenas sonhos. Sonhos infinitos que o sol desfaz.
Apaga a luz. A noite pertence-nos. Aqui sinto-me protegido de mim e do mundo. Deixa-me sossegar sobre o teu peito, aqui sei que me encontro, sei que um dia verei a razão de querer.
Apaga a luz. Aqui não oiço passos no soalho, nem ventos enigmáticos nas copas das árvores. Aqui não há ecos da infância, apenas tormentas que me comovem.
Apaga a luz...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Sei! Mas...


Sei que as palavras leva-as o vento, mas falo.
Sei que o amanhã não existe, mas espero por ele.
Sei que não consigo, mas tento.
Sei quem me roubou a alma, mas perdoo-lhe.

Vou!

Sinto-me perdido nas circunstâncias, mas vou.

King Crimson

terça-feira, 11 de setembro de 2012

A rotunda das palavras

Hoje, quero crer que há um caminho para a solidão. Não sei se lhe chame caminho se rotunda. Talvez se aproprie esse conceito. Chamar-lhe-ia a rotunda das palavras, especialmente daquelas que nos obrigam a andar em redor de um conceito para nos fazermos entender e nunca se chega a uma definição concreta e definida.
Estudam-se os conceitos filosóficos, lêem-se os últimos avanços da química quântica, mas subsiste sempre esta sensação interior de vazio, esta sensação de não nos reconhecermos ao espelho. Os conceitos de lógica matemática desaparecem, as montanhas caem-
-nos em cima, a luz adensa-se em nós, o tempo traz-nos reflexões que não cabem nos cânones da ciência e o caminho vai-se transformando em rotunda. Apetece desistir, não adianta procurar perece ser a conclusão. Mas, como se quebra este tráfego de pensamentos banalmente sinistros? Como se deixa de ouvir o eco do tempo? Como se busca a felicidade nos interstícios do nada?

sábado, 8 de setembro de 2012

Nota de rodapé

Cruzo-me nas formas da noite. Percorro as ruas desertas, alucino, os nervos polarizam-se, o sangue fermenta, sufoco, a escotilha abre-se automaticamente: abre-se-me o futuro. Vejo claro. Há um fantasma de um tempo inexistente que o percorre, uma fantasia de um espaço unidimensional que se supõe permanentemente.
A noite é bela. É feita de sonhos e sombras, matéria-prima de um naufrago no oceano do nada. A noite prende-me ao cordão da vida, nela encontro os vales abissais de onde vim e as planícies serenas para onde quero ir.
Na ausência da noite floresço. Ela é o laço que me ata, nela encontro a razão de estar aqui.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mudanças

O que aconteceu a esta música?! Deixei de gostar dela... Que mudanças aconteceram em mim? Que feitiço deixou de ter? Os sons e as palavras não mudaram. Que raízes se desprenderam? Não sei! A magia parece ter desaparecido.
Durante breves instantes os céus do futuro enchiam-se de promessas, nela fundiam-se os tempos, parecia perseguir o arco-íris, respirava esperança, mostrava razões... de repente, transformou-se.
Agora, é uma flor sem vida, é uma simples memória desarticulada, uma luz sem brilho. A voz é roufenha, as palavras desconexaram-se da sua simbologia, tudo me parece diferente e banal.
Agora, os sons já não são inspiradores de emoções, nada revelam, nem noções transmitem, agora, não passam de meras ondas acústicas que se propagam no ar.
O que aconteceu a esta música?

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Fugas


Há alvoroço em mim. Há fugas para aquilo que fui, para o pó dos caminhos que pisei. Há vozes que me chamam, pensamentos que me fazem olhar para nascente de mim. É como se se soltassem vadiamente, se libertassem das amarras do dia. É sempre assim! As ilusões parecem brilhar mais com a noite. As névoas dissipam-se, as estrelas soltam-se dos olhos para fora, os candeeiros transformam-se em sóis, o céu em inferno e o sonho em realidade.
É sempre assim! É um perpétuo movimento. Sempre de dentro para fora, sempre de dentro para fora, sempre de dentro para fora...

Rick Wakeman

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Delirium


Há guerras que gritam
E outras que silenciam
Há silêncios que destroem
E outros que questionam
Há gritos silenciosos
E outros de revolta
Há angústias que se calam
e palavras que angustiam
Há correntes que libertam
E outras que ofendem
Há bandeiras com glória
E glórias sem bandeiras
Há delírios sem razão
E razões delirantes
Há reações sem movimento
E movimentos sem ação
Há pressões sem pressão
E opressões sem armas
Há espíritos que se moldam
E outros que renunciam
Há vidas pacíficas
Mas não trazem liberdade
Há moralidades amorais

Que viagem é esta?

Esperem! Fiquem quietos
Não me digam nada
Não me venham com sermões
Não me revelem segredos
Não me expliquem nada: a lutar saberei

domingo, 2 de setembro de 2012

O mar


As ondas sucedem-se, ciclicamente, numa aparente serenidade. Os navios passam ao largo deste mar surdo e absurdo onde me afogo. Confesso: ele é o meu íntimo abismo de refúgio. Nele alcanço as iludidas bóias, ele é a praia de pedras nuas onde me sento, onde encontro caminhos de algas oscilantes que dançam ao sabor das marés, que crescem em direcção a uma superfície inexistente. Ele é a angustiante canção, de sal e silêncio, que me embala e me conduz às profundas águas de mim. Ele é o charco das palavras onde distingo o negro do branco, onde finjo conhecer aquilo que desconheço.
Ele é a minha verdade, a verdade das pequenas coisas.

sábado, 1 de setembro de 2012

Inferno a dançar


O baú continuava fechado
Ninguém o queria tocar
Estava, desde sempre, trancado
No meio de pessoas a passar
Era tido como um fardo pesado
Que, ali, se fazia estorvar
Desde os olhos do passado
No presente que faz preservar

Estava, então, o baú ignorado
Nada faziam para o dilacerar
Mas houve, hoje, um alienado
Que o abriu para analisar
E sobre um olhar espantado
Espelhou-se o inferno a dançar
Era um fogo movimento
Por corpos, calados, a falar

O batuque era como que ensaiado
Em miniaturas humanas a agitar
Por um gesto uno e coordenado
Que, flexível, era intenso a rimar
E os corpos saindo, iam para este lado
Vendo o seu tamanho aumentar
Sempre em passo leve e vincado
Que fazia aquele inferno andar

Mas só inferno existe onde há lugar
E só lugar há quando delimitado
Pelas divisões a discriminar
O impulso condenado
Que pior se irá tornar
Pelo ostracismo exagerado
Que evita, egoísta, ajudar
O réu a ser, no bem, educado

E só quando tudo se misturar
O inferno deixará de ser achado
Na diferença que o igual há-de abafar
Por antagonismo ao gesto incriminado


Um poema de Sara Guetta Serra e um nome para fixar.