quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Bugiadas - 2

Desesperado, ao tomar conhecimento do santo milagreiro João Baptista, a quem os gentios cristãos do povoado da falda da serra atribuíam poderes de curandeiro, suplicou-lhes o empréstimo da imagem e, perante o ícone, de joelhos em frente ao subido pedestal propositadamente construído para o receber, iluminado pela frouxa e mansa luz de dous lampadários, também eles muito recolhidos na sua fé, orou longas horas rogando-lhe fervorosamente a cura da filha. Milagre! Mal o astro rei se apagou nas águas do Atlântico logo a filha se alevantou do alvacento leito de estopa, irradiando vida pelos dous sóis que orbitavam a face ainda macilenta. Logo no dia seguinte pelo nascer da alva soaram trombetas, rufaram tambores e pandeiretas, e, da albacar saíram a toda a brida arautos montados em elegantes alazões e nobres bucéfalos, anunciando as festas em honra do santo milagreiro. Engalanaram as ruas, acenderam-se fachos, apresentou-se o lanceiro-mor do reino,
vieram chanceleres e ricos-homens,
senhorios e escravos minadores,
vizires e pescadores,
veio a gente da gleba e os comparsas mudéjares. O santo montado na charola, percorreu as estreitas e pútridas ruas, apinhadas de gente vergadiça que à sua passagem orava fervorosamente. Mas o fanático pagão, falso converso que até o santo enganou, tinha outras intenções. As festas não eram laudes, as festas eram engodo, ele queria era o santo, queria o santo milagreiro. Queria um físico que lhe prolongasse a vida, um alquimista que lhe desvendasse os símplices da pedra filosofal. E um santo como aquele!, esculpido em pau-santo, fácil de compor, de boa têmpera, capaz de tanta milagreira, dava bom jeito, oh! se não dava, bem podia ser senhor do mundo antes das próximas colheitas. Nunca!, urrou a cristandade. O santo é nosso! Ninguém fica com o santo! Como se atrevem, invectivava sozinho o sanhoso Reimoeiro ao ver tanta militância, como podem pôr em causa a autoridade mourisqueira. Terão que me prestar menagem, pensou para com os seus botões, quer dizer, para os seus atilhos que os botões naquela época ainda não tinham sido descobertos, terão que vergar a espinha, eu seja cão se o não fizerem.


"..."

In: Fantasmas de uma Revolução

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