Era o solstício de Verão, o dia é longo e a noite curta. Irmãos ofertar-vos-ei grande festança como prova da minha gratidão, grasnava astuciosamente o Reimoeiro enquanto assomava à conoidal janela da sólida torre albarrã. E cumpriu. Cá fora, na almedina, o convidado poviléu cristão sentava-se ruidosamente ao longo dos toscos bancos corridos, talhados a machado, paralelamente ordenados a lembrar formação militar de infantes. Nos entremeios os linguarudos e chocarreiros bufões dançavam desvairadamente, enquanto achincalhavam indiferentemente o santo milagreiro e as gentes. Mesnadas de moscas pousadas à sombra das rudes mesas elevavam-se no ar, para logo de seguida voltarem a banquetear-se no imundo lajedo. Duas cacarejantes galinhas aloucadas ao sentirem-se perseguidas por uma criança, andrajada com longa camisa pespontada e bivaque pontiagudo na cabeça, percorriam a praça pública. Uma ninhada de pestilentos porcos indiferentes ao vozeio, fossavam incessantemente a terra húmida do canto, lá mesmo ao fundo, junto ao adarve. Um Mourisqueiro de alvo turbante a cobrir-lhe a cabeça, afagava as penas de um falcão de olhos vendados, pousado no antebraço esquerdo. A esgalgada plebe, manifestava-se ruidosamente como que a querer acalmar a senhora Fome que lhes enchia os antros estomacais pouco exigentes. Daquelas bocas nada saía de cortês, manifestava-se de forma estercorosa e rancorosa, não era gente de salamaleques: ó infiel duma figa é para hoje ou para amanhã... a tua mãe é uma rameira... ó filho de belzebu. E quando a ânsia famélica se adensava, já prestes a explodir, repentinamente, o Reimoeiro dá ordem para que se sirva a ceia. Abrenúncio!, gritaram alguns. A fartança dos tabuleiros repletos de bastimentos não passava de ossos, restos, imundícies de toda a espécie. Ainda muitos não tinham percebido o que se estava a passar já os lanceiros-reais de elmo na cabeça, pique empunhado e escudo embraçado tapavam as saídas. Os mais destemidos ainda desenharam o gesto de desnudar espada, mas imediatamente foram imobilizados e conduzidos às masmorras.
"..."
In: Fantasmas de uma Revolução
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