sábado, 1 de novembro de 2008

O artolas de S.Bento

Nem cara tinha para levar uma chapada bem dada, mas andavam sempre todos emproados a mostrar abastança e seriedade no negócio, normalmente havia características no vestir que eram comuns a todos eles: dentes sujos, barba de dois dias, cabelo azeitado, casaco assertoado de quatro botões amarelos a arrelampar, asseado meote branco a condizer com a refegada e suja camisa. Adejavam ao longo do átrio rectângular como moscas varejeiras, de vez em quando pousavam debaixo da arcaria, mirando os potenciais clientes que entravam e saíam do carreirão de táxis que se formava na ruela fronteira, varandim sobranceiro à pendente praça Almeida Garrett. Os fogareiros que mais semelhavam turíbulos, esfuminhavam tudo em redor, o cheiro a castanha assada evolava-se no ar. Aos apurados ouvidos desencerados pela unha propositadamente engrandecida do dedo mindinho, limpeza sempre feito com vibrantes movimentos de grande requinte, chegavam-lhe o ritmado anúncio dos números da sorte; quem quer o 27?, do cauteleiro da esquina, misturado com os constantes pregões do mulherio bufarinheiro, desafiando os passantes, valorizando a mercancia: olha!, quentes e boas... Oh, minha querida são as últimas, compre que estão baratas – e logo de seguida protestava com uma carvalhada pelo claro, bem repenicada dirigida a alguém que se atreveu e desfazer da mercadoria – olha a filha da puta que fina está, ai não te serve,... Prantadas atrás da pequena banca desmontável, em atalaia permanente iam chocalhando as moedas no bolso do rendado avental, atiravam olhares aos movimentos denunciadores da intervenção da polícia, para elas a bófia que era termo desprezível, perscrutavam-lhe os movimentos, mediam-lhe todos os passos, porque a dita força da ordem atiçada pelos comerciantes de porta aberta, não se fazia rogada para lhe confiscar a açucarada veniaga, sempre vendável, que fazia as delícias da criançada e lustrava com sedosa meia de vidro as altas coxas das raparigas que atravessavam a rua de mini-saia. Em momentos sazonais vendiam bugiganga de ocasião, utilidades e adereços femininos: guarda-chuvas retrácteis, yo-yos luzentes, bonecas falantes, cubos mágico de Rubick, quebra-cabeças que todos queriam resolver... tudo eirado em pleno passeio, obrigava os magotes de gente que ali desembocavam a desvios forçados para não esbarrarem com ela. Era uma corrente contínua de gente anónima que subia as escadas da passagem subterrânea, apressadamente – sempre embalada pelas modinhas da vermelhusca concertina do ceguinho, que lá em baixo, não se cansava de tocar –, espessando ao ritmo do abrir e fechar do semáforo da avenida ou de um autocarro que descia a Rua das Carmelitas, e descarregava ao fundo da avenida mais uma fornada de gente.

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