Comprou-a com os primeiros ordenados, ainda aprendiz, andaria ele nos quinze anos. Não sabia explicar de onde lhe vinha aquele gosto pelas bicicletas, mas uma coisa lhe parecia certa, era uma herança visceral, profundamente enraizada no seu ego. Mesmo com aquela idade, quando olhava para ela, achava-a bonita, equilibrada, até se notava uma certa ternura no olhar, e um pueril brilhozinho raiava dentro das duas grandes órbitas que lhe iluminavam o rosto austero. Não a via como mero objecto de transporte, era muito mais que isso, era a sua segunda companheira de vida. Trazia-a sempre impecável, pedaleira bem oleada, travões afinados, níqueis a brilhar, sem sinais de ferrugem. A placa de registo fixa no guarda-lama traseiro, também ela não mostrava sinais do tempo que ambos atravessaram, o preto do registo;
1-VLG
09-59,
continuava a contrastar com o fundo amarelo como dourados na farda de soldado. Se apanhava chuva não a arrumava sem antes a limpar devidamente. Rodas empenadas?, não havia, andava sempre a apertar e a desapertar raios, e, se sonhava que os rolamentos da roda pedaleira faziam barulhos, passava as manhãs de Domingo a montar e desmontar a limpar e a olear, normalmente depois de assistir à missa na capela da Senhora das Dores, o santo ofício, como ele lhe chamava, porque crente como era, não deixava de cumprir com as suas obrigações dominicais de cristão. Apetecia dizer; ai da mosca que ousasse pousar nela sem a sua autorização. Às vezes até falava com ela, não porque estivesse a ficar choné, e alguma monomania estivesse em fase de gestação, não!, nada disso, falava com ela como falava com o farrusco, que era o rafeiro que partilha a casa com eles, quer dizer, o quintal, que a Hermínia, a patroa, era assim que se referia à mulher, tratava de o empontar imediatamente quando lhe entrava porta dentro, passa-fora!, fora daqui, desaparece-me dos pés, dizia ao mesmo tempo que batia com eles nos ladrilhos rafados pelo uso. O sentimento que nutria por ambos era equivalente.
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continuava a contrastar com o fundo amarelo como dourados na farda de soldado. Se apanhava chuva não a arrumava sem antes a limpar devidamente. Rodas empenadas?, não havia, andava sempre a apertar e a desapertar raios, e, se sonhava que os rolamentos da roda pedaleira faziam barulhos, passava as manhãs de Domingo a montar e desmontar a limpar e a olear, normalmente depois de assistir à missa na capela da Senhora das Dores, o santo ofício, como ele lhe chamava, porque crente como era, não deixava de cumprir com as suas obrigações dominicais de cristão. Apetecia dizer; ai da mosca que ousasse pousar nela sem a sua autorização. Às vezes até falava com ela, não porque estivesse a ficar choné, e alguma monomania estivesse em fase de gestação, não!, nada disso, falava com ela como falava com o farrusco, que era o rafeiro que partilha a casa com eles, quer dizer, o quintal, que a Hermínia, a patroa, era assim que se referia à mulher, tratava de o empontar imediatamente quando lhe entrava porta dentro, passa-fora!, fora daqui, desaparece-me dos pés, dizia ao mesmo tempo que batia com eles nos ladrilhos rafados pelo uso. O sentimento que nutria por ambos era equivalente.