sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O funil das palavras

Outrora gostava da noite. Nela encontrava o silêncio de que gosto e o alívio da objectividade diária. Nessas horas perscrutava-me e perscrutava o mundo. Refazia as intenções escondidas pelas palavras evitadas, tomava nota das atitudes, das causas e dos efeitos. Esse silêncio punha-me à mostra as frustrações das fragas, a alegria da inconsciência dos montes, a orgia da mentira.
Agora não preciso dela, tenho tudo isso sobre a secretária, nas milhentas palavras que todos os dias me vêm à retina. É como se a sua simbologia tivesse apenas um significado. É como se me afunilassem a mente, ou a mente as afunilasse, não sei bem. É como se convergissem para um ponto em vez de divergirem. Em vez de ampliarem campos, abrir outras portas, parecem fechar-me, levar-
-me para ideias vãs e frias. Todas têm sabor amargo e um cheiro a desilusão. Deixei de as dominar, agora são elas que me dominam. Levam-me, de onda em onda, para um mar de ignorância, de desilusão e ausências sempre incompletas.

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