quinta-feira, 7 de junho de 2012

Tempo cinzento


Morre a vida lá fora, crescem-me sentires absurdos na alma. Cresce em mim este descampado, esta forma plaina de existir, sem nada para contar mas com vontade de dizer. Em boa verdade, de dizer nada, de monologar sem razão, de viajar sem destino neste comboio silencioso, sem substância, sacudido violentamente pela incompreensão de universos não revelados, vencido pelo tédio da folha branca em que escrevo, pela busca das palavras que tento poupar, pelo medo da vulgaridade, pelas vésperas do nada.
Adeus! Adeus alma, adeus rio das coisas, adeus saudade indesejada, adeus leve trespasse de luar, adeus varandas, vou partir.
Ouço um apito estridente, um qualquer sussurro longínquo e embarco, embarco sem ânimo mas embarco logo pela manhã, na madrugada de mim, quero chegar antes da inocência. Continuarei fiel a mim mesmo, manter-me-ei estrangeiro a tudo, prometo.
Amanhã estarei longe, vou para o outrora de mim, para a feira das quinquilharias, dos vidrilhos reluzentes, perseguirei a minha sombra como cão raivoso, atravessarei passadeiras sem olhar para o lado, ouvirei pela enésima vez os sons imorredouros até conseguir descobrir a suas tonalidades impressivas que registarei na tela de mim.

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