quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Caminhos paralelos

Há quem diga que não percorremos um caminho mas sim vários. Concordo! Em boa verdade, todos os dias percorro diferentes caminhos, todos os dias os meus “eus” se apresentam e me tomam de assalto, em tempos diferentes. Quantas vezes me sussuram ribeiros de diferentes nascentes e os sigo? Muitas. Quantas vezes interpreto a mesma coisa de diferentes formas e todas me parecem verdade? Imensas. Quantas vezes se manifestam em mim, e em simultâneo, diferentes formas de ser que não convergem. Quantas vezes sou o que não sou?
Nesta minha abstracção juro que sou testemunha presencial destes luares, destas transparências ilusórias que me desfragmentam e me obrigam a seguir caminhos paralelos.

Raiz do brinquedo

Não perca. Estará disponível ao público na Instituto Politécnico de Bragança - Escola Superior de Educação, de 10 a 24 de março.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Confidências

Não sei quem sou.
Este quebrar do gelo em mim, esta espécie de sonda profunda que perfura esta minha consciência recolhe sempre amostras nunca dantes conhecidas. É uma constante encontrar lençois freáticos que alimentam esta nascente. Conheço-os bem. Sei onde estão, não me preocupo com eles, limito-me a verificar se ainda permanecem na prateleira onde habitualmente os coloco.
Com alguma frequência encontro pedaços de um tempo geológico há muito tempo perdido. A esses interpreto-os, catalogo-os e aprendo a viver com eles. Nem sempre essa interpretação me é fácil. São escorregadios, nebulosos, incorparam vários significados e muitas vezes fico sem saber em que cubículo os devo colocar. Criam-me dúvidas, angústias, são absurdos, obrigam-me a uma reinterpretação constante de mim e do mundo.
Por vezes, ao atingir a carne viva, surgem-me amostras xistosas, sujeitas a grande pressão que não controlo, mas que me controlam. A minha mobilidade mental altera-se, fixa-se, e não consigo sair de lá. Assaltam-me naúseas, saudades, vazios existênciais, sonhos... Tudo isto se cruza, todas estas emoções se tornam variáveis de uma equação matemática complexa, quase sempre incompreensível, mas que me dá a noção da bagatela que sou.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Incompetências

Sem oxigénio volto a mergulhar. Volto a entrar nesta nostalagia que tenho do passado inexistente, volto à tentativa, sempre frustrada, de encontrar a complexa infinitude das Coisas. Rói-me esta minha inaptidão, amarfanha-me, sufoca-me e leva-me para locais inimagináveis.
Volto ao meu ascetismo. Volto a esta angustiante parasitose que me enferma. Dentro dela fumo um cigarro. Reconheço que tudo não passa de uma ilusão, mas vou, porque ir é libertar. Calço as sapatilhas e corro. Corro em busca da razão científica daquilo que sou, ou que deixo de ser. Sei que corro atrás de uma inconstante e abstrata existência mas não quero parar, quero continuar a correr atrás da íntima beleza das Coisas que reconheço existir, mas que, por incompetência minha, ainda não consegui captar.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Acordar


Hoje, como sempre, acordei cedo. Ao abrir a janela recebo a notícia da presença de uma luz baça que esbranquiçava os montes do Suzão. Fito-a durante breves momentos e depressa se esvanece. Depressa entendo que o Sol não tardará a brilhar e que a temperatura se recomendará. Erradamente, elevo o olhar à procura de lhe captar esse sentir metafísico, de encontrar nela, na luz, a explicação desta temperatura interna, dir-se-ia morna, que tomou conta de mim. Procurei fora de mim essa comunhão existêncil com o mundo e não a encontrei, obviamente não a encontrei porque ela existe dentro e não fora de mim.
Fecho a janela e regresso. Navego calmamente, avanço por um mar de sentimentos e encontro-a em uma antecâmara inexistente da minha existência. Encontro-a no silêncio da minha timidez, neste caminhar sozinho a roçar a incompetência social, encontro-a nestas palavras simples onde me exponho e tento compreender-me.

Stacey Kent

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Indiferença

Sinto-me indiferente perante as realidade externa que teima em me integrar. Por forças que não entendo fecho-lhe, cada vez mais, as portas. Não quero vive-la, quero ser verdadeiramente eu, sentir as minhas sensações, só esta minha verdade me interessa, por estranha que seja.
Não quero viajar, nem ver falsas paisagens, quero antes viajar em mim, descobri-las nos meus recantos, por escuros que sejam. Não quero ver através dos olhos, prefiro ver através da alma, como os poetas. Não quero ouvir os sons, quero sentir a sua sublime símbologia, como os músicos. Não quero sentir o vento na face, quero descobrir-lhe os segredos que transporta. Não quero que indiquem o caminho, quero ser eu a desvendá-lo.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Dia de Sol

O beco onde hoje vivo encheu-se de luz. Hoje, nenhum dos meus “eus” estagnou perante as sombras, nem perante as nuvens negras que, por vezes, pairam sobre eles. A luz alada que cobria os telhados, que aveludava as pedras da calçada, retiraram das sombras os meus recantos sórdidos. Hoje abri as janelas de par em par. Os reposteiros bafientos, cobertos de pó, foram afastados e deixaram de filtrar a luz. As minhas acanhadas divisões sairam da penumbra acre e refletiram em mim uma consciência que há muito não experimentava. Uma alegria repleta de calma suave desceu em mim. Um vago sopro de uma brisa primaveril trouxe-me outro sentir.
Hoje vi as casas e os bancos de jardim com olhos de criança.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Insomnia

Tenho vozes de mim na cabeça. Rio-me de mim, desta figura anacrónica à procura da razão, à cata das palavras que exprimam a causa desta insónia. De olhos roídos, vejo nascer e morrer o cursor numa sequência enfadonha, e nada me traz. Nem as palavras nem o sono de que preciso. Parado no tempo, fixo-o de olhos esbugalhados, confiante que acabará por me entorpecer, que me embriagará, e ele, ritmicamente, continua vazio, sem nada me sugerir. Mesmo assim, sigo-lhe o ritmo, vou atrás dele, trauteio-o, sigo-lhe as pisadas esperançado que este metrómono me traga ritmos, ritmos de um outro tempo, de um outro sentir.
Ele nesta itermitência da morte, eu nas intermitências da vida, entre a vigília e o sono, entre o tédio e o enfado continuo a contabilizar doentiamente o número de pestanejos, sempre em ciclos repetitivos.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Placebo



(...)

It takes the pain away
But could not make you stay
it's way too broke to fix
no glue, no bag of tricks

Lay me down, the lie will unfurl
lay me down to crawl.

(...)

O castelo

É, talvez, a insegurança que faz de mim castelo. As dúvidas permantes encarceram-me em mim próprio. Não sinto esse isolamento como castelo inexpugnável, de bojudos baluartes e altaneiras muralhas, a não permitir que entrada a ninguém, não, não me parece! É, provavelmente, antes a minha cota de malha deste sentir rebelde, a armadura de defesa de pensamentos contraditórios, arnês das minhas cépticas e desiluções anímicas, dos meus delírios emocionais descrentes.
Seja com for, vejo-me como um castelo, um castelo onde me refugio nas insónias monumentais, local onde habitam os sonhos sempre sonhados. Por vezes, quando me encontro nesta oca fortificação de frias recordações, já em horas tardias, envolto em silêncios ruidosos, subo à torre de menagem, onde sou rei e senhor, levanto a ponte levadiça e deixo entrar a luz. Sonho! Nesse limbo de inconsciência cônscia, entre sonhos e devaneios, ecoam palavras estranhas e certeiras.
Enreda-se-me o pensamento, fere-me a vista, com tanta nitidez.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Ausências

Tudo me é intenso. Sou feito de sons inatingíveis, de olhares com inocência infantil, de sentimentos abissais que reconheço como sedimentos de um sentir agudo de insatisfação, exteriormente sossegada. Todas as emoções que sinto, sinto-as como paradoxais buracos negros que devoram tudo o que aproxima delas, que me impedem de pensar, e que interpreto como catacumbas de medos nunca resolvidos, prisões de um tempo que já não consigo atingir.
Estes exílios internos, que tento captar e a que me obrigo, não passam de placebos desta doença psicótica que alimento sem querer.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O sono

Falava da morte. Da morte do pai que tinha acontecido há pouco tempo. Na noite anterior, ao despedir-se dele, prometera-lhe que no dia seguinte lhe faria a barba. E fez, cumpriu a promessa, mas já com ele sem vida. “Fiz-lhe a barba e era como se ainda o sentisse quente”, dizia ela, a filha. Descrevia-a como se ele ainda estivesse a dormir. E, de facto, o que há de mais semelhante se não o sono. Bem sei que é um sono do qual se não volta, bem sei que no sono há atividade cerebral, mas como não tenho consciência dela, ou raramente tenho, por isso considero-me morto. Morro porque não sinto, vivo porque sinto. Ninguém tem experiência da morte e porque esta é a minha verdade vivo e morro diarimente.

Tom Waits

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Remexer as cinzas

Nove horas da manhã. Mexo nas cinzas. Racionalizo-me, mais uma vez. Neste marasmo de mim vejo passar a vida. À procura de mim, mas em vão, subo a rua. Paro no quiosque. A fúria contida aumenta com a leitura das parangonas dos jornais e impele-me a continuar. Desvio-me da prostituta que insiste em me aliciar. Atravesso para o outro lado da rua. Um carro apita-me.
Acordo.
Acorda-me os mistérios de mim. Viajo para o meu parque da infância, regresso à fraga da lage, à carvalheira, aos estalidos do soalho, ao quadro do menino sempre triste, aqueço as mãos à lareira, estanco na cozinha fuliginosa, esfrego os olhos ardentes pelo fumo e pelas noites sem dormir. Observo-os, procuro neles a existência deste abutre de mim mesmo que me devora as entranhas sem razão aparente. Ah!, se eu pudesse libertar-me deste peso que é sentir. Abdicaria de tudo para o conseguir. Felizes aqueles que se deleitam com telenovelas.
Abstraído dou comigo no Bolhão. Regresso ao caminho nunca caminhado.
Enfim... Sossego.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Racionalizar-me

O que há de mais reles em mim é esta incerteza de tudo. Esta hiperactividade sensitiva que me leva a tentar encontrar justificações para tudo. Esta coisa de racionalizar o mundo permanentemente coloca-me em permanentes hesitações. Nesta busca de equilíbrio interior, ou justiça, não sei bem, torna-me inseguro e só a custo ultrapasso. A todas as horas duvido de mim, dos sentidos, das sensações... Interrogo-me do porquê de tudo isto, de onde me vêem estes sentimentos ambíguos, que reminiscências são estas, se é que são reminiscências?! Não são inatos, creio nisto veementemente, não nasceram comigo, construi-os e eles construiram-me, esta é das poucas certezas que tenho. Conheço-lhe todas as peças, são andaimes de mim, neles subo e caio, neles tropeço e ando, neles me detenho e atravesso.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Espírito de boémio?

Por vezes sinto a vida tão banal, de tão pouca profundidade, que me interrogo se tudo não iria melhor se fosse vivida na superficialidade. Caminhar à boleia, sempre à boleia, sem um ombro para chorar, sem bengala para me apoiar. Deitar fora o despertador e todos os espartilhos que me consomem e depois partir, estrada fora, viver na minha ilha, sozinho, sentado numa qualquer escada a olhar de longe, e em forma de protesto, indiferente e imperturbável, a agonia do adorador de O Deus das Moscas.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Somebody That I Used to Know - Walk off the Earth

Em vez de almoçar

Em vez de almoçar fui ler. Fui viver manifestações de gente indignada, viver guerras, utopias, amores, fui ao fundo do oceano e vi sereias, fui ao céu e vi a luz irradiante dos anjos, abri as portas do tempo e acabei por me engolfar em florestas de pensamentos tão densos que vivi tudo isto com as emoções à flor da pele. É em momentos como estes que me conheço, quando a alma de dissocia do corpo o subconsciente parece emergir e, sem filtros, a realidade adquire outra dimensão. Os objetos tomam outras proporções, às vezes, uma luminiscência que me toca. É como se se entrasse no campo dos visionários, daqueles que se fascinam com a criação das coisas e, nessa altura, percebe-se que tudo vive para além dos sentidos. Sai-se da clausura quotidiana e entra-se no mundo da sensações, das emoções, das interrogações até da mudança de identidade.
É nesses momentos que percebemos o quão misteriosos somos. É em momentos desses que percemos o verdadeiro sentido de liberdade.
A vida torna-se plena.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Nunca digas nunca

A gravação anuncia a chegada do comboio das 17:35.
Entro.
A viagem começa. Pressinto o amor dos jovens que vão à minha frente. Admiro a indiferença dos quatro amigos que jogam à bisca. Incomoda-me a inexpressividade da mulher encostada à porta, talvez de desilusão, seguramente de quem já não sente. Aprecio a esperança dos estudantes que discutem a matéria do dia. Com eles, por instantes, carreguei a saudade do tempo em que lá vivi. Fui a mundos distantes, mudei de alma, transmigrei-me, melhor dizendo, entrei nos confins impossíveis do tempo, também ele pintado de branco leve.
Chego.
Nem mesmo agora, já liberto do barulhento exterior, o sossego voltou. Assaltam-me pensamentos dissonantes.
Nunca se chega se nunca se tiver partido. Nunca se desembarca se nunca se tiver embarcado... A morte é o cais ingénito da vida, concluo. Tudo isto me parece um disparate contínuo, sem deixar de ser um paliativo existêncial incoerente.
Quero chegar, mesmo sem saber onde. Continuo a caminhar.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dentro e fora

Nada me é inóquo. Há em mim um ajustamento permanente a tudo o que me rodeia. Não haverá diferença entre nós? Há, sinto que há! Há quem viva apenas fora e nunca dentro dele. Desconfio deles. Desconfio de quem em auto-avaliação irradia conhecimento. Desconfio dos comodamente adaptados. Desconfio dos pseudo-
-mestres que nunca foram alunos. Desconfio de quem conhece o universo dos outros e desconhece o dele.
Por mim, confesso: por mais leve que seja o movimento, por mais distante que esteja o acontecimento afeta-me. As personagens imaginadas, portanto, desconhecidas e as injustiças por elas criadas permanecem em mim como um estado de revolta. Essa repugnância embebeda-me, anestesia-me, impede-me de raciocinar. Bloqueia-
-me o pensamento mas liberta-me.
Afasto-me.

Tango with Lions

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Interesses

Morri! Não estudo, não vejo televisão, não me interessa futebol. O festim das desgraças políticas dos jornais fazem-me tédio, a relação com os outros é-me indiferente, perdi a fé e a esperança em mim... O que é isto se não estar morto!
Prefiro, e cada vez mais, esta coisa negra de ser cadáver vácuo e inconclusivo que espectro vivo concludente. Já nem as variações da luz solar me impressionam, e que outrora gostava de descrever, agora, prefiro o desassossego interior ao bulício alegre das ruas, já nem o alinhamento dos arruamentos me despertam, agora, prefiro a chama quente (às vezes escura) das emoções à luz inflamada dos néons, já nem as duplas faces das pessoas me tocam, agora, prefiro descobrir as minhas próprias faces.
Quero ficar sentado, imóvel, como um Sadhu, morto por fora, mas vivo por dentro. Prefiro olhar o mundo através da alma que ser enganado pelos sentidos. Prefiro a verdade da arte à verdade social.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A elasticidade da mente

Ao evocar estes meus demónios aprisionados nesta tulha bafienta de memórias, ao abrir o alçapão deste universo, sinto que vou em espiral descendente em direcção ao “nada”. Só o halo de luz difusa da candeia da minha infância, que descortino (a custo) num futuro já passado me atrai. Evoca-me memórias não fingidas, quebra-me grilhetas, angustia-me e quase me leva às lágrimas. Há nessa luz difusa e tremeluzente um efeito medonhamente belo: o querer regressar. Regressar: ao torpor da impossibilidade de ser, voltar a abraçar o tempo inexistente e, exausto de tanto caminhar e com o coração cheio de ternura, deixar-me ficar em posição fetal, permancer inerte até adormecer profundamente, como quem está no sítio certo, e nunca mais acordar.
Este fim vago e concreto (que me atrai), em consciência, amplia-me a consciência de mim e dos outros. Elastifica-me e, por mais que tente, não retorna ao estado de equilíbrio. Mantém-me esticado, em tensão permanente.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Ainda a alma humana

Quem me dera conseguir revelar a alma humana. Se conseguisse os textos não teriam que ser enigmáticos, as palavras não teriam que ser poliédricas nem de tendência dúbia. Não necessitaria de recorrer a metáforas, ou a qualquer outra figura de estilo que lhe tira realismo mas que nos projeta para uma outra dimensão, a verdadeira, a dimensão humana. Mas o poço é tão profundo, há nele tanta escuridão, está tão repleto de viscosidades, de incongruências, de visões que não a consigo captar de outra forma sem ser assim.
Quem me dera conseguir mapeá-la. Seria, de certeza, trabalho de uma vida, intenso, de vitórias e derrotas, de crenças e descrenças, mas uma vida rica. Mas que vida! Quem me dera saber assinalar nesse mapa, os caminhos, as estradas, as curvas de nível, os acidentes topográficos, registar em todos os momentos a latitude e a longintude, criar sinalética para a tomada de consciência das nauseas bélicas, dos caprichos, da ambição desmesurada...
Quem me dera saber em que proporção molecular se devem combinar as emoções, as sensações, as impressões, os sentimentos, a fé...
Quem me dera!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Se o corpo é um envólucro...

Se o corpo é um envólucro a alma não passa de um quadro absurdo de Brueghel, quadro a óleo de persistentes memórias, grafite de desejos, repressões e sublimações. Se o corpo é um envólucro a alma não é mais do que uma tela surreal, aguarela deslavada de essências metamórficas aprisionadas no tempo, cadinho alquímico de doces ausências, almofariz farmacológico de freudeanas regressões. Se o corpo é um envólucro a alma não passa de um livro kafkiano, conglomerado de conflitos absurdos, projecções intrincadas de sonhos e fantasias. Se o corpo é um envólucro a alma não passa do nascimento da morte.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Ainda as sensações

Imagem extraída da obra Cobra-D'Água de A.M.Pires Cabral

Sou capaz de me despojar de tudo para conseguir captar a essência das coisas que pairam no ar. Vou a todo lado, especialmente à noite, para captar essas sensações leves, muito leves, e tomar consciência delas. Quando as capto morro. Vagueio por todo lado. Sinto pétalas a desprenderem-se dos sons do teclado, vejo olhos vidrados que vêm do meu silêncio e da noite, sinto calafrios com a minha angústia, oiço músicas que me sugerem paisagens que nunca as hei de ver e que, paradoxalmente, consigo fugir por elas. Nesses instantes, recuso-me a interromper esses pensamentos. Pairo sobre elas, percorro-as em velocidades alucinantes até consigo perder-me em frondosas florestas e correr em extensos areais. Às vezes, essas essências do “nada” tornam-se tão reais que quase as consigo tocar. Têm forma e volume. Vejo-as! Sei qual é a sua cor. Sinto-as! Sei se são quentes, se frias. Por vezes o odor do suor e das maresias pairante é tão forte que permanece em mim durante dias. Acabo por concluir que as emoções sonhadas são mais reais que as reais.