Hoje, folheio paisagens irreais em mim habitadas. Procuro senti-las, interpretá-las, lê-las em sequência, classificá-las, fazer delas capítulos deste livro inacabado que pagino nas horas de tédio, nas horas de inação e angústia. Desnudo-as, visto-as, reflito nelas silentemente à procura de uma corrente comum a todas, mas não consigo agrupá-las, definir as reais das irreais, as verdadeiras das falsas, as sonhadas da dos sonhos. Missão impossível! Surgem-
-me num emaranhado onírico de saudade de mim de onde não vislumbro saída.
Surgem falsas, inúteis, mas, apesar disso, não consigo desfazer-me delas, sinto-me incapaz de as deitar fora, de as arrumar definitavamente neste sótão poeirento da inexistência. Estremeço com elas, amontoam-se-me à flor da pele e, como que para as materializar, vou a correr para os papéis amarelentos que acumulo no canto da sala e de mim, já amarfanhados pelos sentidos, rasgados pelo tempo, bafientos pelas emoções neles acumuladas.
Releio-os, vejo rabiscos, sublinhados, setas a assinalar importância, como sempre gostei da fazer, mas nada me parece verdadeiramente meu. Não me reconheço nesses sinais inocentes, nessas substâncias de outras cavernas de mim.
Não identifico de quem eram, doem-me simplesmente.
Resta-me continuar a sonhar.