“Só o bombo é meia banda”. Era o comentário da ufana e musicómana populaça, ainda embasbacada pelos sopros transformados em dós sustenidos e rés bemóis e outros acordes nem sempre sincrónicos, mas sempre melodiosos para duros ouvidos (temporizados por colcheias e semicolcheias), durante a primeira arruada, na madrugada de um domingo estival, uma raitada no linguarejar de alguns, cumprida num grito de renascimento e agradecimento ao povo, ao longo da empedrada rua da praça, embocadura da casa de ensaios e termo na estrada, onde a carreira do Santos, estacionada, aguardava a ilustre e renascida banda, antes de partir em direcção ao povoado vizinho, que também se vangloriava com uma, mas de tal modo mal vista que poucos se atreviam a contratá-la. Só por desconhecimento, e quando isso acontecia, havia sempre mais uma estória risível que depressa se transformava em mais uma chalaça. Vê lá se fazes como o outro que... E quando os últimos acordes se extinguiram ficou o sabor a pouco, e as infinitas comparanças continuavam: por aqui não há quem a bata, nem a da Lousa, diziam-no com altanaria saudável, a roçar o desdém e num tom brejeiro, ao referirem-se às outras que não faltavam por aqueles povos das redondezas, mas que, no seu dizer, não lhe eram comparáveis. Só a trabalheira que deu para a desenterrar, e depois as arrelias para a içar, aí é que foram elas, discussões e mais discussões não faltaram, que por vezes degeneravam em ralhos e ralhetes, que extravasavam a casa do povo. Habituados a nada receber, nem tentearam outras hipóteses de financiamento que não fosse o peditório; aliás, a quotização sempre foi a maneira de resolver os problemas: o povo juntou-se para comprar o relógio da igreja, o povo juntou-se para canalizar a água, o povo juntou-se para fazer a festa... sempre foi assim.
"..."
In: Contos dos montes ermos
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