sábado, 11 de outubro de 2008

O sóto

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O sóto estava exactamente na mesma: o balcão transversal, de madeira puída e gretada pelo uso, a fazer a divisão entre zona pública e privada, continuava imune a mudanças. Até os “ferragachos” expostos, na pequena vitrine meã, eram os mesmos, estavam era mais ferrugentos. A balança esmaltada de dois pratos, Avery, tinha simplesmente mais umas efélides das topetadas. As tulhas do sal, do arroz e do açúcar, que eram também cama do gato, continuavam na parede do fundo. A mesa rectangular, centrada e perpendicular ao balcão, continuava a ser poiso dos rolos e peças de tecidos. Os armários das paredes laterais davam guarida, desde sempre, a caixas e caixinhas sacos e saquinhos que só ele sabia o seu conteúdo. Acantoados na área reservada ao público viam-se relhas de charrua, duas caixas de pregos: uma galeota e outra meia-galeota (os de caibrar ficavam lá dentro, debaixo da mesa dos tecidos, junto da caixa da soda cáustica e da creolina), cestos de polvo sêco, caixotes de bacalhau, vassouras. O tecto, que era também soalho, assente sobre vigas de castanho, era forrado com artigos de menos procura: foles de enxofrar, pulverizadores hipólito, formas dos folares, braseiras,... pendurados em camarões semelhavam uma latada depois de desfolhada a exibir os cachos de uvas.
-Deixe-me ver aquela forma, se faz favor! E logo ele a arpoava com destreza, com ajuda de um extensor de braço.
A única legenda visível em todo aquele espaço era uma placa de fundo azul escuro e letras em branco: VENDAS A DINHEIRO. Para quem entrasse, e não conhecesse, ficava com a sensação de ser um amontoado de produtos, e que Sr Urbano, devia perder horas à procura das porcas, dos parafusos, ou fosse o que fosse... Enganam-se todas aquelas caixas estavam devidamente catalogadas na sua mente. Toda a gente preferia aquele sóto. Raramente se ouvia: “disso não tenho” ou “deixei acabar” ou então mais de forma mais velada: “o caixeiro-viajante não apareceu”.

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In: As duas faces da moeda.

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