sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O colégio

O leitor não julgue que o Colégio, importante como era, tinha uma grande e donairosa fachada, alegre, de azulejos floreados, de frestões amainelados emoldurados em nobre granito, alindados com varandins de ferro forjado, frontão na grande porta de entrada elevada por um bonito patim em cantaria cinzelada, cornijas frisadas, carrancas nas goteiras, e um grande letreiro de néon com o nome inscrito, a denotar as suas origens: COLÉGIO NOSSA SENHORA DE FÁTIMA. Não! Nada disso! O Colégio era um paralelogramo, de dois andares, cuja frontaria principal era a face mais estreita, e não media mais que vinte curtas canchas. Uma porta de duas folhas, centrada no rés-de-chão, quatro janelas no piso superior dispostas duas a duas, a fazer lembrar olhos rasgados, inteligentes, um par de escadas curvadas subiam ao primeiro piso, como se fossem as hastes de um bigode descaído, encontrando-se no primeiro andar, num pequeno varandim, com acesso a uma porta, também ela bífore, que bem podia ser o nariz daquele estranho ser de cútis esbranquiçada.
Os dizeres COLÉGIO NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, de furco e meio de altura, escritos na testa, em letra de imprensa maiúscula a todo o cumprimento, a avisar os passantes da sua importância, semelhante a uma gelha permanentemente encrespada, dava-lhe um ar encanecido, sapiente e prazenteiro. Mas nem todos o sentiam assim. Para muitos, e principalmente para o Toino Silvestre, aquela ruga transmitia antes um ar carrancudo, que se adensava com aquelas janelas rasgadas, envidraçadas, em permanente atalaia, como se olhasse de uma forma penetrante, intimidativa e com uma certa sobranceria para com o maralhal e também para com a sua irmã de casta inferior, que ficava defronte. Não vamos ficar pelas meias palavras. Não! Ele e a Escola rivalizavam, embora se suportassem. O Colégio olhava-a sempre com desdém. Ponto. Não era pela sua grandeza ou volumetria, que por aí não tinha hipótese de competir, mas porque era mais velho, mais erudito, e nos seus pensamentos mais íntimos tinha até pretensões a Liceu. No seu ideário, o ser Liceu era atingir os píncaros da pedagogia, era ser grande como o Liceu Aristotélico do grande filósofo grego. E nela denotava-se uma certa inveja, não digo que fosse uma inveja mesquinha, era, se assim se pode chamar, uma inveja benigna, quer dizer, gostava de ser adulta como o era o Colégio.
In: Contos dos montes ermos

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