A Trincadeira era uma obreira abdominosa, de rabo vermelhusco e alçado, que é o mesmo que dizer de nariz empinado, filha de uma das melhores famílias de formigas europeias, os Formicídeos, de cujos pergaminhos muito se orgulha e que remontam ao longínquo Cretáceo. No armorial das formigas, “A verdadeira história da família Formicidae”, página 126, lá estava o brasão de família: o escudo esquartelado e, em cada um dos contraquartéis, uma figura de insecto aformigado a representar as suas três fases metamórficas, e, no quarto, a atestar a ligação longínqua, uma vespa de perfil, virada à sinistra, para mostrar bastardia. Disse boas famílias, mas não faltavam descritos maus-exemplos (dizem os humanos que num rebanho há sempre uma ovelha ranhosa, e no mundo dos formicídeos esse aforismo também era verdadeiro): assassinas, escravistas eram desde sempre conhecidas, mas a variedade da Trincadeira há muito que tinha enveredado por outras formas de vida. Durante o Verão abelhavam incessantemente, atestando até abarrotar o armazém comunitário do formigueiro; depois, durante o Inverno, deitavam-se regaladamente, muito quietinhas, numa das câmaras, autênticas casernas, e, quando a fome apertava, dirigiam-se à adega, que ficava nas traseiras, em local bem arejado, e comiam o que havia, normalmente ervas de diferentes paladares, vermídeos estiolados, embora o lambisco de quase todas elas fossem os fungos que por vezes se formavam nos interstícios das pilhas do comestio.
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