terça-feira, 7 de outubro de 2008

O Zé Manco

Vinte e quatro de Dezembro de 1959. Os dias são curtos. As pedras da rua da fonte-do-prado permanecem húmidas dia e noite, há já vários dias. A manhã acordou fria e envolta num nevoeiro espesso e mijão, a impedir que alguém fosse enxergado a uma meia dúzia de canchas. O sincelo, que mais parecia neve, vergava as duas ameixoeiras cagunças do quintal, que dobradas sobre a canelha, a assombravam como abantesmas. Nos beirais as estalactites de palmo e meio; pinguéis, como lhe chamavam, eram garrochas apontadas à terra, e desenxabidos gelados fora de época, mas que no estio não havia.
- Anda burra! Dizia o Zé Manco, ençamarrado e de boné enfiado na cabeça, de abas velosas apertadas à queixada, a proteger as orelhas do rexio cortante, puxava o rabeiro da jumenta, bamboleante, carregada de lonas.
- Isto é que é madrugar, ó ti Zé! Dizia o Augusto do Cabeço em jeito de cumprimento, como que a dizer: “Deus nos dê os bons-dias”.
- Bons-dias! Tem que ser Augusto há que fazer pela vida.
- Então para onde vai hoje? Perguntou o Augusto, esfregando as mãos.
- Vou adrede a mondego, apanhar um rabo de azeitona que lá deixei ontem.
- E vai sozinho?
- Não, a minha Júlia e o meu Albino já vão lá pr`a frente. E tu, já apanhaste a tua?
- Não, ainda tenho a da gricha. Tenha cuidado, com este dia, olhe que ainda se tolhem, retorquiu em jeito de despedida o Augusto.
- Isto ainda vai levantar, predisse o Ti Zé Manco, com a certeza de um conhecimento profundo, que lhe advém do estudo das estrelas e dos ventos desde à muitos anos.
O Augusto circunvagou o olhar, esmando o tempo, como fazia todas as madrugadas, procurando sinais disso mesmo.

"..."

As duas faces da moeda

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