sábado, 11 de outubro de 2008

A festa

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A festa era o ponto alto das “vacances”. A festa começava uns dias antes, no engalanar das ruas, na feitura dos coretos para as duas bandas, que haviam de se digladiar, no domingo pela noite dentro, a encerrar as grandes festividades anuais, e criar apetite para o ano seguinte. O coreto havia de ser robusto, bem enraizado no chão, não fosse acontecer como daquela vez que o Ti Madanelo, já farto de esperar pelos acordes da banda, repetia já desaustinado: “Toque música que o coreto não cai. “...“Toque música que o coreto não cai. “, e zás, o coreto estatelou-se mesmo ao chão. De roldão, assim, sem mais nem menos. Foi uma autêntica cambulhada de instrumentos, de cabeças, de pés e de tábuas. Nada foi como dantes.
O vinho também havia de ter uma palavra a dizer, e havia de rachar umas cabeças, provavelmente de forasteiros da aldeia vizinha, que nem sempre eram bem vindos. No sábado o altofalante havia de zurrar, bem alto, durante todo o dia, num convite permanente ao arraial. Á noite os pretendentes das moças casadoiras, haviam de deixar as economias no bazar, na arrematação das prendas, que tinha que ser entremeada com sonoridades da banda, não se fosse perder a animação.
Pela meia-noite o pirotécnico havia de ser chamado uma dezena de vezes ao som do altofalante:
- Atenção ao senhor Pirotécnico... Atenção ao senhor Pirotécnico. E ninguém enxergava o pirotécnico. E batia a meia noite na torre da igreja, e nada, e batia a meia-noite e um quarto, e nada, finalmente e depois daquele impaciente espera, e já o relógio se preparava para contar mais um quarto, e o mordomo principal esquecendo-se que o microfone estava ligado, desabafava: “Lá vem o fogueteiro, caralho!”
No domingo a procissão, havia de percorrer as ruas da aldeia, com a banda atrás do andor de orago, sempre de passo afinado pela pandeireta, e que se calava quando o padre inicia mais uma ladainha. O poviléu estendia as colchas nas varandas, e seguia atrás mostrando vaidades e nem sempre contrito, como impunha o acto religioso. Como do outra vez que foi um “fum-fum” do principio ao fim, só porque o ti Zé da Chica, coitado, já tocado pelo vinho, se encafuou dentro do chafariz, e, quando o puxavam, ficaram com o casaco na mão e ele caiu novamente. Até o padre perdeu a compostura.

Nos dias seguintes abalavam, pesarosos e já a fazer projectos para o ano seguinte.
- Inda um ano, se Deus quiser, hei-de eu sozinho fazer a festa...

IN: As duas faces da moeda

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